janeiro 22, 2012
Acabei agorinha mesmo de ler um livro que me fez lamber os beiços, salivar e talvez até babar um pouquinho. O título é The Science of Kissing: What Our Lips Are Telling Us (A Ciência do Beijo: O Que Nossos Lábios Contam), de Sheryl Kirshenbaum. Tá aqui, ó.
De uma perspectiva estritamente reprodutiva, os beijos não são indispensáveis. E isso é uma das coisas bacanas na condição humana: a astúcia de unir o útil ao agradável. Como observou o historiador holandês Huizinga, somos não apenas homo sapiens, mas também homo ludens. Isto é, criaturas não só de necessidades, porém de desejos. Convém lembrar, ainda, que o homem é a única criatura que copula com os parceiros de frente um para o outro, olho no olho. Não menosprezando outras simpáticas acrobacias, esse aspecto da nossa condição me parece a quintessência da subjetividade – a primazia do individual sobre a natureza. A identidade do parceiro conta. Como realçam os versos tocantes de Dorothy Parker: Lips that taste of tears, they say/ Are the best for kissing (Lábios com gosto de lágrimas/São os melhores para beijar.)
Como o beijo não é imperioso para a perpetuação da espécie, diversas culturas floresceram sem um único selinho. Tadinhas: engoliam em seco e chupavam o dedo, não sabendo o que perdiam. O ato de beijar é apenas em parte instintivo, sujeito a uma enorme influência cultural.
O testemunho literário mais antigo de uma bicota remonta a 1500 A.C., engastado nos textos védicos em sânscrito dos alicerces do Hinduísmo. Não há uma menção específica a palavra “beijo”, mas encontramos suculentas alusões a “lamber” e “sorver o orvalho dos lábios” . No século III AC, o Vatsyayana Kamasutra (conhecido na intimidade como Kamasutra) já incluía um capítulo inteiro com suntuosas descrições de técnicas para uns boca-a-bocas capazes de ressuscitar Tutankamon com fogo no rabo.
Seguramente, os indianos passaram milhares de anos se beijando – mas não foram os únicos espertinhos. Mesmo no Antigo Testamento (compilado durante os 12 séculos que precederam o nascimento de Cristo) proliferam beijaços. Um dos mais arrepiantes é o referido no Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão (que, segundo reza a história, não podia ver uns lábios úmidos e carnudos sem, bem, fazer uma boquinha). “Que ele me beije com todos os seus beijos, pois seu amor é melhor que o vinho.”
Na Grécia clássica, localizamos beijos nos épicos de Homero, transmitido pela tradição oral (com trocadilho). Até o rei Príamo, de Troia, beija a mão de Aquiles, para lhe suplicar a entrega do cadáver de seu filho Heitor. Aquiles dá uma limpadinha discreta na mão lambuzada e aquiesce (não sabemos como reagiria se o beijo tivesse sido no seu calcanhar). De acordo com Heródoto, os egípcios/as se recusavam a beijar gregos/as, porque estes consumiam a carne do seu animal sagrado, a vaca.
(MARLENE DIETRICH BEIJA PIAF)
Já os Romanos, inventores da honorável tradição da bacanal romana, beijavam mais que a Paris Hilton com a macaca. E semearam a prática nos rincões que foram conquistando (talvez o mais louvável ato civilizacional de todos os tempos). Quando o Cristianismo se tornou a religião do império, a Igreja ficou com a pulga atrás da orelha por causa intemperança beijoqueira. O remédio era institucional e um mal menor: como diz São Paulo, “é melhor casar do que abrasar.” O arguto apóstolo discordaria daquilo que a despeitada letra de As Time Goes By proclamará século mais tarde: “A kiss is just a kiss.” (Um beijo é só um beijo) Que nada: um beijo é um rastilho de pólvora.
Na Idade Média, muita gente não sabia ler nem escrever (igualzinho agora) e assim o beijo era usado como um meio legal de selar contratos. Rabiscavam um X na linha pontilhada e tascavam uma beijoca no alvo. Quanto ao galante beijo na mão de uma dama, brotou durante a Revolução Industrial, na Inglaterra. Aventureiros e comerciantes espraiaram o beijo pelo mundo afora. Em 1872, Darwin comentou que, dada a popularidade e a diversidade universais do beijo, os seres humanos deveriam transportar um anseio inato para unirem os lábios. Bidu!
(VAI UM BEIJO PARA COMEÇAR BEM O DIA? Ô! E EMBRULHA MAIS DOIS PRA VIAGEM)
Claro que os costumes e as normas culturais também moldaram o gesto. Ainda hoje na Rússia os homens se saúdam com um beijo na boca. Sei lá, mas acho que eu não beijava Stalin nem que fosse para evitar o Gulag. A propósito de beijos totalitários, Tony Curtis, depois de filmar Quanto Mais Quente Melhor, fungou que “beijar Marilyn Monroe foi como beijar Hitler.” Ai, ai, Deus dá nozes a quem não tem dentes. Ei, Todo-Poderoso, dá próxima vez reserve esse tipo de noz para os Nogueiras, falou? Não costumamos cuspir no prato que comemos.
Como um selinho de despedida (nas leitoras; nos leitores, um aperto de mão chega perfeitamente), eis algumas imagens icônicas de bocas em intersecção.
Le Baiser de l’hôtel de ville, foto – Em 1950, Robert Doisneau clicou para a revista Life um casal se beijando nas ruas fervilhantes de Paris. A foto se tornou um símbolo imediato do l’amour parisiense: charmoso, elegante, passional. A identidade do casal permaneceu um mistério até 1992. Acontece que Jean e Denise Lavergne equivocadamente pensaram que eram eles aquele par ímpar, e nos anos 80 se encontraram com o fotógrafo para um jantar. Doisneau, gente fina, não quis despedaçar as ilusões dos pombinhos já idosos, e portanto calou o bico. Eles retribuíram processando o fotógrafo por “apropriação indevida da imagem”. O processo forçou Doisneau a revelar que ele montara a foto, usando Françoise Delbard e Jacques Carteaud, namorados que tinham acabado de se beijar sob as barbas dele. Durante o beijo, o fotógrafo não quis ser um pentelho e interromper a alquimia – mas depois pediu que repetissem o gesto. Claro que eles não se importaram. Doisneau ganhou a causa.
Der Kuss, tela – Quando o artista austríaco Gustav Klimt pintou o seu Beijo, tinha 45 anos e ainda vivia com a mãe e duas irmãs. Apesar dessa fachada careta, tinha um apetite sexual priápico – foi pai de pelo menos três filhos ilegítimos. O quadro, uma obra-prima da Art Noveau, está no museu Belvedere, em Viena. Encerra múltiplos significados, mas o que mais seduz é a fusão quase arbórea do casal – lembrando o mito platônico do Eros primordial e perfeito, que suscitou o ciúme dos deuses, os quais reagiram separando-o em dois e condenando as duas partes a buscar eternamente sua outra metade.
Primeiro Beijo na História do Cinema – Filmado pelo inventor americano Thomas Alva Edison, em 1896, no seu estúdio em New Jersey. Dura 23 segundos e introduz a atriz May Irwin. Foi também a primeira banana que a sétima arte deu para a sociedade vitoriana. Mas o que acho mais comovente é a tese implícita de que os brutos também amam e o amor é cego.
A Um Passo da Eternidade, filme de Fred Zinnemann – A Deborah Kerr não que o Gregory Peck, mas que
Burt Lancaster caia de boca. Um filme célebre por muitas razões (entre elas, o Oscar redentor de Frank Sinatra). Mas é este beijaço que dá água na boca.
E O Vento Levou, de Victor Fleming – Beijos roubados também podem ser sublimes – desde que você tenha o panache arrebatador de um Rhett Buttler (e não a boçalidade de um Big Brother sob um edredon). Observem como o sorrisinho maroto da Scarlett, na manhã seguinte, me cobre (epa!) de razão.
MEMORÁVEIS BEIJOS HOLLYWOODIANOS - Esqueçam as baboseiras que a mocinha tontinha gorgoleja. E admitam que um beijo pode ser só um beijo, mas dá e sobra.
De uma perspectiva estritamente reprodutiva, os beijos não são indispensáveis. E isso é uma das coisas bacanas na condição humana: a astúcia de unir o útil ao agradável. Como observou o historiador holandês Huizinga, somos não apenas homo sapiens, mas também homo ludens. Isto é, criaturas não só de necessidades, porém de desejos. Convém lembrar, ainda, que o homem é a única criatura que copula com os parceiros de frente um para o outro, olho no olho. Não menosprezando outras simpáticas acrobacias, esse aspecto da nossa condição me parece a quintessência da subjetividade – a primazia do individual sobre a natureza. A identidade do parceiro conta. Como realçam os versos tocantes de Dorothy Parker: Lips that taste of tears, they say/ Are the best for kissing (Lábios com gosto de lágrimas/São os melhores para beijar.)
Como o beijo não é imperioso para a perpetuação da espécie, diversas culturas floresceram sem um único selinho. Tadinhas: engoliam em seco e chupavam o dedo, não sabendo o que perdiam. O ato de beijar é apenas em parte instintivo, sujeito a uma enorme influência cultural.
O testemunho literário mais antigo de uma bicota remonta a 1500 A.C., engastado nos textos védicos em sânscrito dos alicerces do Hinduísmo. Não há uma menção específica a palavra “beijo”, mas encontramos suculentas alusões a “lamber” e “sorver o orvalho dos lábios” . No século III AC, o Vatsyayana Kamasutra (conhecido na intimidade como Kamasutra) já incluía um capítulo inteiro com suntuosas descrições de técnicas para uns boca-a-bocas capazes de ressuscitar Tutankamon com fogo no rabo.
Seguramente, os indianos passaram milhares de anos se beijando – mas não foram os únicos espertinhos. Mesmo no Antigo Testamento (compilado durante os 12 séculos que precederam o nascimento de Cristo) proliferam beijaços. Um dos mais arrepiantes é o referido no Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão (que, segundo reza a história, não podia ver uns lábios úmidos e carnudos sem, bem, fazer uma boquinha). “Que ele me beije com todos os seus beijos, pois seu amor é melhor que o vinho.”
Na Grécia clássica, localizamos beijos nos épicos de Homero, transmitido pela tradição oral (com trocadilho). Até o rei Príamo, de Troia, beija a mão de Aquiles, para lhe suplicar a entrega do cadáver de seu filho Heitor. Aquiles dá uma limpadinha discreta na mão lambuzada e aquiesce (não sabemos como reagiria se o beijo tivesse sido no seu calcanhar). De acordo com Heródoto, os egípcios/as se recusavam a beijar gregos/as, porque estes consumiam a carne do seu animal sagrado, a vaca.
(MARLENE DIETRICH BEIJA PIAF)
Já os Romanos, inventores da honorável tradição da bacanal romana, beijavam mais que a Paris Hilton com a macaca. E semearam a prática nos rincões que foram conquistando (talvez o mais louvável ato civilizacional de todos os tempos). Quando o Cristianismo se tornou a religião do império, a Igreja ficou com a pulga atrás da orelha por causa intemperança beijoqueira. O remédio era institucional e um mal menor: como diz São Paulo, “é melhor casar do que abrasar.” O arguto apóstolo discordaria daquilo que a despeitada letra de As Time Goes By proclamará século mais tarde: “A kiss is just a kiss.” (Um beijo é só um beijo) Que nada: um beijo é um rastilho de pólvora.
Na Idade Média, muita gente não sabia ler nem escrever (igualzinho agora) e assim o beijo era usado como um meio legal de selar contratos. Rabiscavam um X na linha pontilhada e tascavam uma beijoca no alvo. Quanto ao galante beijo na mão de uma dama, brotou durante a Revolução Industrial, na Inglaterra. Aventureiros e comerciantes espraiaram o beijo pelo mundo afora. Em 1872, Darwin comentou que, dada a popularidade e a diversidade universais do beijo, os seres humanos deveriam transportar um anseio inato para unirem os lábios. Bidu!
(VAI UM BEIJO PARA COMEÇAR BEM O DIA? Ô! E EMBRULHA MAIS DOIS PRA VIAGEM)
Claro que os costumes e as normas culturais também moldaram o gesto. Ainda hoje na Rússia os homens se saúdam com um beijo na boca. Sei lá, mas acho que eu não beijava Stalin nem que fosse para evitar o Gulag. A propósito de beijos totalitários, Tony Curtis, depois de filmar Quanto Mais Quente Melhor, fungou que “beijar Marilyn Monroe foi como beijar Hitler.” Ai, ai, Deus dá nozes a quem não tem dentes. Ei, Todo-Poderoso, dá próxima vez reserve esse tipo de noz para os Nogueiras, falou? Não costumamos cuspir no prato que comemos.
Como um selinho de despedida (nas leitoras; nos leitores, um aperto de mão chega perfeitamente), eis algumas imagens icônicas de bocas em intersecção.
Le Baiser de l’hôtel de ville, foto – Em 1950, Robert Doisneau clicou para a revista Life um casal se beijando nas ruas fervilhantes de Paris. A foto se tornou um símbolo imediato do l’amour parisiense: charmoso, elegante, passional. A identidade do casal permaneceu um mistério até 1992. Acontece que Jean e Denise Lavergne equivocadamente pensaram que eram eles aquele par ímpar, e nos anos 80 se encontraram com o fotógrafo para um jantar. Doisneau, gente fina, não quis despedaçar as ilusões dos pombinhos já idosos, e portanto calou o bico. Eles retribuíram processando o fotógrafo por “apropriação indevida da imagem”. O processo forçou Doisneau a revelar que ele montara a foto, usando Françoise Delbard e Jacques Carteaud, namorados que tinham acabado de se beijar sob as barbas dele. Durante o beijo, o fotógrafo não quis ser um pentelho e interromper a alquimia – mas depois pediu que repetissem o gesto. Claro que eles não se importaram. Doisneau ganhou a causa.
Der Kuss, tela – Quando o artista austríaco Gustav Klimt pintou o seu Beijo, tinha 45 anos e ainda vivia com a mãe e duas irmãs. Apesar dessa fachada careta, tinha um apetite sexual priápico – foi pai de pelo menos três filhos ilegítimos. O quadro, uma obra-prima da Art Noveau, está no museu Belvedere, em Viena. Encerra múltiplos significados, mas o que mais seduz é a fusão quase arbórea do casal – lembrando o mito platônico do Eros primordial e perfeito, que suscitou o ciúme dos deuses, os quais reagiram separando-o em dois e condenando as duas partes a buscar eternamente sua outra metade.
Primeiro Beijo na História do Cinema – Filmado pelo inventor americano Thomas Alva Edison, em 1896, no seu estúdio em New Jersey. Dura 23 segundos e introduz a atriz May Irwin. Foi também a primeira banana que a sétima arte deu para a sociedade vitoriana. Mas o que acho mais comovente é a tese implícita de que os brutos também amam e o amor é cego.
A Um Passo da Eternidade, filme de Fred Zinnemann – A Deborah Kerr não que o Gregory Peck, mas que
Burt Lancaster caia de boca. Um filme célebre por muitas razões (entre elas, o Oscar redentor de Frank Sinatra). Mas é este beijaço que dá água na boca.
E O Vento Levou, de Victor Fleming – Beijos roubados também podem ser sublimes – desde que você tenha o panache arrebatador de um Rhett Buttler (e não a boçalidade de um Big Brother sob um edredon). Observem como o sorrisinho maroto da Scarlett, na manhã seguinte, me cobre (epa!) de razão.
MEMORÁVEIS BEIJOS HOLLYWOODIANOS - Esqueçam as baboseiras que a mocinha tontinha gorgoleja. E admitam que um beijo pode ser só um beijo, mas dá e sobra.
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