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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O lado sensual da força

 
 
Por que o romantismo vira safadeza – ou morre
 
Outro dia eu ouvi no rádio uma moça reclamando de que o sexo com o namorado dela tinha se tornado “pervertido”. Segundo ela, os dois repetiam, toda vez, um mesmo enredo de “palavrões e baixarias”, que ela achava excitante, mas, de alguma forma, frustrante. “Com o namorado que eu tive antes não precisava de nada disso”, ela disse. “Era mais intenso, mais natural. Eu tenho saudades.”

Quando ela terminou de falar, o médico fez as perguntas que eu tive vontade de fazer: há quanto tempo vocês estão juntos? Quanto tempo você ficou com o namorado anterior? As respostas eram previsíveis: alguns anos com o namorado presente, uns poucos meses com o anterior.

A gente nem sempre gosta, mas o sexo muda com a idade e com a duração das nossas relações. Parece haver uma tendência geral em direção ao lado negro e sensual da força.

Quando somos garotos, bem garotos, fazemos sexo com pouco mais do que bons sentimentos. Somos ternos, apaixonados, quase assustados ao transar. É um milagre que dessa combinação romântica e ingênua resulte uma relação sexual completa. Satisfatória? Raramente.

A experiência, porém, muda as pessoas. O desejo feito exclusivamente de delicadezas e suspiros vai dando lugar, aos poucos, a outro tipo de sensações. Em algum momento as mulheres começam a perceber a “pegada” masculina e os homens descobrem, dentro de si, com o auxílio sutil ou descarado das parceiras, um repertório de possibilidades eróticas mais viscerais.

Nessa hora o sexo deixa de ser um esporte (algo feito apenas com o corpo), para se tornar um teatro, em que as palavras e os personagens (antes ocultos pelo pudor) ocupam o centro da cena. Ou da cama. Transar passa a ser, intensamente, uma descoberta do outro e de se mesmo.

Quando essas coisas acontecem? Depende de cada um. Há pessoas que cedo descobrem seu lado escuro e sensual. Outras vão topar com essa parte de si mais tarde. Experiências, sobretudo as de iniciação, parecem determinantes. Assim como a personalidade e a idade dos parceiros. Pesa muito o temperamento de cada um. Às vezes a criação.

Você pode conversar com uma mulher de 30 anos com uma experiência exclusivamente romântica e adocicada de sexo. E topar com outra, 10 anos mais jovem, que surpreende o parceiro pela safadeza ou aspereza do erotismo. Vale o mesmo para os homens. Precoces e degenerados estão em toda parte, assim como o seu oposto. Sexo é uma faceta da personalidade. Cada um tem a sua – e nem sempre é fácil expressá-la.

Quando um sujeito ou uma moça começa a descobrir suas preferências profundas pode topar com uma barreira de ignorância ou resistência. Quem não se lembra de experiências desastradas desse tipo?

O sujeito cheio de desejo começa a dizer umas baixarias no ouvido da moça e ela reage péssimo: “Pare com isso, eu não gosto”. Ou então é ela quem decola sozinha na fantasia, pede umas coisas que moças finas nem sabem que existe e depara com um olhar de reprovação – ou da mais pura perplexidade. Esse tipo de descompasso é sempre broxante.

Mas, a despeito dos acidentes de percurso, parece haver uma regra geral: com o passar do tempo, o romantismo dá lugar à sacanagem como o jeito mais recorrente de fazer sexo, sobretudo no interior dos casais.

Minha impressão é que os casais, com o passar do tempo, descambam inexoravelmente para a sacanagem. Talvez seja o único jeito de manter o sexo vivo no longo prazo. Suspiros e “eu te amo” se esgotam com alguma rapidez. No lugar deles costuma entrar uma robusta e saudável... putaria. Essa não se esgota tão rapidamente e pode ser alimentada interna e externamente por uma infinidade de recursos. Casais com alto grau de cumplicidade e interesse recíproco costumam ter sexo intenso por muito tempo – mas ele raramente é cândido.

Então voltamos à moça do rádio.

Ela estava insatisfeita com a baixaria que tem em casa. Preferia o sexo espontâneo e “natural” que conheceu antes. Pode ser uma questão real de adequação com o parceiro, mas ela talvez tenha apenas saudades de estar apaixonada. Todo mundo já sentiu isso num momento ou em outro. Não há substituto para os hormônios da paixão. Tudo parece sublime, mesmo os fluídos e ruídos mais humanos. É pena que o tempo leve com ele essa sensação maravilhosa. Quando isso acontece, há duas alternativas: explorar o lado escuro e sensual da força ou correr atrás de outra paixão. A moça do rádio, pelo visto, já estava pronta para outra.

  Reprodução
Ivan Martins
IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA

(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI256330-15230,00.html

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