13/03/2012
Hoje só tem prazer, riso solto, desfrute. Adoro essa palavra: desfrutável. Bonito, né? Lembra manga escorrendo no canto da boca. Quero ser fruta: suculenta, macia, saborosa. Acho gostoso imaginar-me para o deleite. Faz tempo que digo: vim a passeio. Eu sei que vivemos uma época em que a alegria fácil e a aceitação do prazer não é muito bem vista. Onde estão as minhas olheiras? Não tenho! (quer dizer, até tenho, mas é de passar a noite em risos). Recuso-me a aceitar os discursos, sejam religiosos, científicos ou políticos, que me incitam à regra, ao controle, ao limite. Seja mais contida, dizem. Digo eu: não. Quero é meu corpo pleno, quero os sabores todos e quero com voracidade. Quero em alimentos que, serelepes, inscrevem o prazer na língua. Quero essa mesma língua em beijos. Quero deixar-me horas a ouvir Callas, olhos fechados, sangue pulsando na testa, no pescoço, no ventre. E quero ouvir os quase silêncios da respiração descompassada do outro na cama. Quero ver Caravaggios, o negro me ensinando matizes. E quero abrir as janelas, deixar o dia se fazer quadro e promessas de luz. Quero sentir o cheiro do desejo, o suor alheio se entranhando em mim e quero a brisa do mar brincando de desalinhar meus sonhos. Quero meu corpo em expansão. Maior, mais meu. Quero sentir o tempo se fazendo vida no corpo. Quero aprimorar quereres. Quero chegar assim ao mundo: em anseios. Quero os objetos do mundo, novos e outros sabores. Deleite. Há livros assim, não é? Para o deleite. Livros que se fazem alimento do gozo. Livros tenros, pra serem apreciados não só com olhos, mas com mãos e boca e nariz. Livros pra ler com a pele.
Eu, hoje, me quis livro. Ali, nas tuas mãos, revelar-me letra a letra. Como se o que já foi dito fosse futuros. Um livro de pequenas e reveladoras notas de rodapé, para que você me desvende. Um livro de enormes e óbvias imagens, para que você me perceba. De palavra em palavra, um livro que se entrega. Fácil. Uma cartografia do desejo, talvez. A ser lido em braile. Não tenho medo de ser objeto, aí, na tua mão. Sei demais que é em pêndulos o amor, quanto mais sujeito do meu desejo, mas posso me permitir ser tomada. Então, um livro para o desfrute. Para que se faça proximidade, ainda que em fantasias. Disse Terêncio e eu com ele: nada do que é humano me é estranho. Mas, reflito: a não ser talvez, a vida. Tão outra, que é nossa. Mas a nossa, tão própria, que é outra. E nos escapa. E só a encontramos no Outro. Especialmente no olhar do outro. No desejo do outro. Mantemos, claro, nosso dizer. Circularmente: sou livro. Para o desfrute. Quando menina ouvia assim: aquela é das que se dá ao desfrute. E via o riso fácil, o gesto largo, o calor. Adivinhava o conforto de ser aquele corpo, em roupas largas e cores fortes. E queria ser dessas que se dá. Ao desfrute. Decifra-me e devora-me. Tateie. Ache. Pegue. Venha. Desfaça os laços da camisola ou os nós da história, mas chegue.
Isso, claro, se não fosse tudo literatura e a vida não fosse aquela tal história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada. E Shakespeare não fosse um daqueles. Daqueles desfrutáveis.
Publicado em desejos de biscate
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