A questão da liberação ou não do aborto é uma questão antiga como a tragédia grega. Em Antígona, escrita séculos antes de Cristo, Sófocles já tratou do que é, no fundo, o que se discute hoje, os limites da intervenção do estado na vida e nas crenças das pessoas. Antígona quer enterrar seu irmão, morto em guerra contra Tebas, e por isso condenado pelo rei de Tebas a permanecer insepulto. A peça é sobre o confronto de Antígona com o rei Creon, do sentimento com a lei, do indivíduo com o estado, do poder da compaixão e dos rituais familiares com o poder institucionalizado e prepotente. A lei de Tebas proíbe o sepultamento do irmão de Antígona, que se rebela e o enterra assim mesmo, com o sacrifício da própria vida. Em gerações ainda por vir o confronto de Antígona e Creon se repetirá. No caso do aborto, em países como o Brasil, em que a legislação a respeito ainda não foi modernizada, a intervenção do estado chega às entranhas da mulher. É a lei que decide o que a mulher deve fazer ou não fazer com o filho indesejado, ou que ameaça a sua vida. E esta é uma decisão que deveria acontecer o mais longe possível de qualquer consideração legal, no íntimo da mulher, que é dona do seu corpo e do seu destino. Nem é preciso lembrar que a legislação atrasada força mulheres a recorrer ao aborto clandestino, em condições precárias,com riscos que não existiriam no caso da legalização.
Discute-se quando começa a vida, o que equivale a fixar em que ponto o feto, de acordo com a lei, passa a ser protegido do estado. Mas do começo ao fim da gestação o feto faz parte do corpo da mulher. O ideal é o processo se completar sem interrupção, ninguém quer a banalização do aborto, mas até a criança ser “dada à luz” ela pertence à mulher, a quem cabe tomar decisões sobre sua vida tanto quanto sobre sua própria vida. O estado não tem nada a fazer neste arranjo particular, salvo assegurar as melhores condições possíveis para o parto ou para o aborto.
Discute-se quando começa a vida, o que equivale a fixar em que ponto o feto, de acordo com a lei, passa a ser protegido do estado. Mas do começo ao fim da gestação o feto faz parte do corpo da mulher. O ideal é o processo se completar sem interrupção, ninguém quer a banalização do aborto, mas até a criança ser “dada à luz” ela pertence à mulher, a quem cabe tomar decisões sobre sua vida tanto quanto sobre sua própria vida. O estado não tem nada a fazer neste arranjo particular, salvo assegurar as melhores condições possíveis para o parto ou para o aborto.
SEM SEPULTURA
A analogia com a peça de Sófocles também serve para o que se pretende com a investigação do que houve durante a repressão aos contestadores do regime militar. No caso a analogia é ainda mais apta, pois um dos objetivos da tal Comissão da Verdade é localizar os corpos dos insurgentes mortos, que permanecem não insepultos mas em covas desconhecidas, enterrados sem cerimônias ou identificação. Antígona quer que o estado devolva o corpo do seu irmão à família, para enterrá-lo. Ele não pertence mais ao estado, nem a quem o armou para atacar o estado. Não pertence mais à História. Agora é apenas um irmão morto sem uma sepultura digna.
A analogia com a peça de Sófocles também serve para o que se pretende com a investigação do que houve durante a repressão aos contestadores do regime militar. No caso a analogia é ainda mais apta, pois um dos objetivos da tal Comissão da Verdade é localizar os corpos dos insurgentes mortos, que permanecem não insepultos mas em covas desconhecidas, enterrados sem cerimônias ou identificação. Antígona quer que o estado devolva o corpo do seu irmão à família, para enterrá-lo. Ele não pertence mais ao estado, nem a quem o armou para atacar o estado. Não pertence mais à História. Agora é apenas um irmão morto sem uma sepultura digna.
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