publicado em colunistas
Vida boa é de personagem. Antes que os fatos aconteçam, já tem uma musiquinha ao fundo, dando a dica do que vem pela frente. A vida da gente é um tanto mais precária se comparada com a dos personagens de filmes e novelas.
Como seria a vida real se cada um de nós fosse portador de um ouvido invulgar para ouvir a música que toca em surdina, enquanto as coisas se preparam para acontecer? E se a audição não se restringisse exclusivamente à nossa música, mas pudéssemos sondar o futuro imediato dos outros e os outros também pudessem nos olhar com a percepção daquilo que nossa música prenuncia?
A gente ia pela rua e avistava uma gata esplendorosa. E ela avistava a gente. Bastava sintonizar no som desse avistamento recíproco. Se tocasse uma música de protesto, um rap contra a polícia, nem precisaria tentar. Não teria rolado a química que autoriza uma aproximação proveitosa. Mas digamos que tocasse uma balada romântica, uma música clássica das cenas de amor. Um “Tema de Lara”, por exemplo, do filme “Dr. Jivago”. Aí, sim, era só investir com capricho e determinação que o resultado seria seguramente favorável, sem essas batalhas de tentativas e erros, que tanto nos aborrecem pela vida. Se rolasse um “Ai, se eu te pego”, ou outro hit do sertanejo universitário, seria só uma ventura, um rala e rola eventual e nada mais.
A trilha sonora da vida real não serviria apenas para as conquistas amorosas. Sua utilidade se estenderia a todas as circunstâncias da vida. Você, no meio da noite erma, vai passando por uma avenida de luzes precárias. De repente vem vindo em direção contrária um grupo de rapazes, falando gíria e gingando o corpo e você se liga na trilha sonora. E para surpresa ouve um canto gregoriano ou um hit new age. Você não se abala e segue tranquilamente a trajetória. Se tocar um samba, se enturme e estique a balada. No entanto, na mesma cena, você ouve o som pavoroso da trilha do filme “Psicose’, de Alfred Hitchcock, ou mesmo de “Jogos Mortais”, de James Wan. Aí é pernas pra que te quero e escapar pela via lateral, enquanto digita desesperado o número 190 no celular para pedir socorro à polícia.
Numa realidade assim, antecipada pela música, a maior ou menor aptidão das pessoas seria medida pela capacidade de identificar as músicas que emanariam das relações. Porque não daria para ser uma audição geral e irrestrita. Todo mundo ouvido todas as músicas. Era preciso ter sensibilidade, uma espécie de dial psicológico para selecionar as músicas que estavam tocando ao redor. Se todo mundo ouvisse todas as músicas ao mesmo tempo, o mundo se tornaria num insalubre pela poluição sonora. Especialmente agora que já vamos passando dos sete bilhões de viventes de Homo sapiens sobre a Terra e todos os lugares estão apinhados, feito uma colmeia de maribondos.
Mas era só sintonizar. Político pensa em meter a mão na cumbuca. Ouve música de cinema-catástrofe. Logo recolhe a mão. Quer saber com vão os negócios. Ouça a música e afine as estratégias. Seu casamento, apesar de frio, parece que ainda vai bem. Se liga na música. Se já estiver desafinada, caia fora, antes que os prejuízos sejam insanáveis. Vida simples, prática e objetiva é assim: trilha sonora nos dando dica do futuro imediato a tempo de dar uma guinada e fazer os devidos ajustes.
POR EDIVAL LOURENÇO EM 12/04/2012
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