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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Minha música - Chico Buarque acompanhado ao piano por Arrigo Barnabé!


A junção do Chico com o Arrigo na mesma faixa tem mais de simbólico até do que de musical propriamente. Chico canta sem praticamente nenhuma entonação extra, completamente econômico (maldosos diriam inexpressivo, o que é redondamente errado). Ao contrário do Arrigo ao piano, que pode ser tudo, menos econômico. A canção ganha pelo tremendo contraste, que também é entre a melodia muito tonal (pressente-se a harmonia nela) e o piano – que apesar de parecer, não é atonal, como o Careqa diz bem. Na primeira parte especialmente, a mão esquerda faz os acordes quase normais, enquanto a direita pira.
Contraste que é também dos dois músicos, que surgem como representantes da tradição e da quebra desta tradição. Minha música foi composta em 2003 para a Ópera de Arrigo O homem dos crocodilos. Mas agora, os versos Mataste minha música / Quebraste todos os meus discos / Fugiste com todas as canções ganha novas possibilidades de significado cantados pela pessoa que, de forma quase incidental, trouxe à baila o furioso debate sobre o fim da canção, ou seja, a exaustão do formato canção para a criação musical. A canção ganha ares proféticos ao lado da leitura romântica óbvia, ainda mais acompanhada de forma totalmente fragmentada por um músico que investiu e investe fortemente justo nas possibilidades advindas da desagregação deste formato. Como uma canção de Fim dos Tempos, em que gênesis e nêmesis se encontram. E, para que não se pense que não foi algo intencional, cabe destacar o diálogo entre Careqa e Chico, no final do vídeo, em que eles comentam o assunto.
A participação de Chico nos leva à gravação por Careqa das canções de Brecht: Chico também reletrou canções da dupla, ao adaptar a Ópera dos Três Vinténs, da dupla Brecht/ Weil, na sua Ópera do Malandro – sendo que a primeira já era uma parória da Ópera dos Mendigos, de John Gay. Um certo uso da ironia liga os três. A própria frase recitada ao encerramento da canção título por Careqa é tirada da boca do personagem Macheath (Mac Navalha, correspondente ao Max da Ópera do Malandro), e mesmo o título do álbum tem relação com a peça de Brecht A alma boa de Set-Suan.
Mas é possível ir um pouco mais fundo (ainda que a partir da Wikipedia):
Um dos pressupostos do teatro épico é o efeito de distanciamento ou de estranhamento por parte do espectador. O ator não busca identificação plena com a personagem. O cenário expõe toda sua estrutura técnica, deixando claro que aquilo é teatro, e não a realidade. O enredo se desenvolve sem um encadeamento linear cronológico entre as cenas, de modo a poder misturar presente e passado, procurando evitar o envolvimento do ator e do espectador na trama, sempre com o intuito de provocar a reflexão e de despertar uma visão crítica do que se passa, sem levar ao desfecho dramático e natural. ‘Estranhar tudo que é visto como natural’, segundo Brecht
A escola épica de teatro, em contraposição à escola dramática, foi uma criação de Brecht. Em vez de “mergulhar” dentro da história, o espectador tem a chance de enxergar “de fora”, sem perder sua capacidade crítica. A forma de interpretação do ator leva esta idéia adiante, como se lembrasse continuamente que ele não é o personagem, e que pode ter opiniões muito diferentes das dele (veja mais informações aqui). Esta visão do teatro tem a ver, de alguma forma, com a postura de Careqa em muitas de suas canções. É quase impossível dizer se são a sério versos como: vou cortar minha orelha, vou abrir o escapamento, que é pra ver soprar o vento e me levar pro altar, ou vou fazer uma chacrinha, vou comprar um automóvel, vou fazer um teatrinho que é pra ver se te comove. São, e não são. São a representação de uma representação. Do mesmo modo, em vários momentos Careqa canta como uma persona, como a interpretação brechtiana derivada da escola do teatro épico, ou mesmo abandona o canto e declara a um hipotético repórter (provavelmente da Caras): este ano eu pretendo ter uma chácara, um apartamento no Rio e outro em São Paulo, crítica implícita mas escancarada de uma visão de arte que exclui a própria arte.
Comecei o artigo com a frase Carlos Careqa é um compositor profundamente simples. Poderia ter dito que é um compositor simplesmente profundo, mas a primeira frase é mais apropriada porque a simplicidade é o resultado final de seu trabalho, e as muitas camadas de leitura ficam no percurso de escuta e não pesam no ouvido. O sumário deste estilo pode estar em Simplesmente, cujos versos mudam aos poucos de significado pela alteração do prefixo e sua associação com a palavra seguinte, perfeitamente realçados pelo desenho melódico:
Seja simples, simplesmente mente aberta
Abertamente mente doce, docemente mente certa
Certamente mente rara, raramente mente doida
Doidamente mente clara
 http://tuliovillaca.wordpress.com/

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