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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Medo é Branco

 

"Para a tarefa do artista,
a cegueira não é
totalmente negativa,
já que pode ser um instrumento."
Borges


E daqui, eu só posso alegrar-me não pretender nenhuma literatura além do blog nosso de cada dia. Porque ficar cega é o meu medo mais presente. Medo de todos os dias, aquele que põe gelo na veia. Porque o medo é frio. O medo pede agasalhos, lareiras, amigos. Pede café, vinho, chocolate e pede companhia. O medo é frio e sem arauto, levanta-se, repentino e precisa de espaço para as suas nevascas.

Há os medos que são brisa, frescos, quase esquecendo de ser: medo de chegar atrasada, de esquecer algo importante, medo de insetos, de desenvolver alergia a camarão, de coisinhas miúdas que não me pediriam galhardia e sim empenho.

Há os medos mais refrigerados, talvez com climatização externa: medo de ruas escuras, de fazer dívidas, de perder-me na estrada, de túneis e garagens subterrâneas. Esses medos, cultivados na história, alimentados por dizeres, eu os reinvento em calor de dentro pra fora, um grande sorriso é bafo nas mãos.

E chegam os medos frios, que dão dormência e preguiça no corpo, comprometendo o riso e o andar: de perder pessoas queridas, de uma cultua adolescente absoluta, da relativização acirrada pelo narcisismo das pequenas diferenças. Medos do que não posso evitar, do que escapa ao controle, do que me dá a exata medida da minha irrelevância.

A seguir, o medo de garras geladas: de dormir sempre sozinha, de perder a memória, de desinteressar-me do mundo a ponto de não querer mais reinventá-lo, de uma tristeza que me acampasse no peito e de lá já não saísse. É frio, branco, deserto de gelo esse medo já não de todos os dias mas de dias todos.

E há o medo de completo frio e desamparo, o medo que me paralisa, que me define por contradição: ficar cega. Quando não enxergo, perco meus outros sentidos. Se não vejo, não escuto. Não sinto sabores, cores e ruídos.


Eu já fui míope. Creio que, na alma, serei sempre. Ser míope é um jeito de se estar no mundo. Chega-se mais perto, bem perto. Ser míope deu-me cheiros, por precisar do juntos para saber-me. Ser míope deu-me esperas e nuvens. Vida de tempo nublado, mesmo na transparente alegria e iluminados caminhos. Ser míope constrói isolamentos. Muros de não ver. De não ver-se. Ser míope é um franzir a testa que alimenta as idades antigas nas jovens testas. O míope não se sabe com precisão - como de resto, todo o resto - e reconhece isso. O míope tem saudades do que não viu. O míope saberá ver-se por dentro, quando há tão pouco perto pra ele ver(se).

Mas um dia, ah, um dia quando eu de-crescer, hei de ter uma biblioteca que se leia sem olhos, dedos, sentidos. Quando eu for do meu exato tamanho, viverei nessa biblioteca.Quando eu for exatamente eu, hei de ter uma biblioteca, hei de ser minha biblioteca. Sem olhos. E já não terei medo e já não haverá gelo em meus olhos de míope. Só letras e danças livres. E, talvez, lá haja um Minotauro jogando xadrez com Borges.

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