Pesquisar este blog
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
sábado, 28 de janeiro de 2012
mulheres de chico buarque de holanda
"Januária"
"Madalena"
"Ligia"
"Carolina"
"Ana de Amsterdam"
"Teresinha"
"Mulheres de Atenas"
"João e Maria"
retrato da substância
ensaiando reproduzir a essência das coisas; alcançáveis ou não.
Todos Buarque de Hollanda
Mesmo nascido em berço de ouro, fala de uma vivência de humanidade e subjugo que vai além de uma comum capacidade. Mesmo acreditando que sua mais feroz intenção fosse apenas a de "malandrear" e pisotear uma (desde sempre) sociedade insana e desleal.
O amor e Chico Buarque. Fala sempre de amor como quem consegue conjugar, em único verbo, as tensões das palavras 'guerra' e 'paz'. A seu modo e sob uma aparência pacata, burlou as armadilhas de uma sociedade escrota, criticando a guerra moral e ditadura como quem apenas buscasse a solução para um mal de amor. Talvez daí também advenha boa parte da sua significância para o universo da música.
Sinceridades nos interessam, Chico Buarque parece mentir como quem jura às verdades existentes. Mas só e, justamente, porque possui um jeito único de deixar explícito o que quer dizer sem precisar quase nada mover, enquanto a maioria de nós vive a divagar em longas justificativas.
Ah, este azul! Se os olhos azuis que nem precisamos ver para saber de sua força, assinalados pela dureza do tempo, soubessem do bem que já fizeram ao feminino (de nascimento ou não), descansariam em paz em meio a estas mesmas entranhas e, vislumbrariam ali, o verdadeiro gozo litero-musical d'alma. Uma "santa" Budapeste!
Salve, Chico.
"Eu não sei se ela sabe o que fez, quando fez o meu peito cantar outra vez. Caminhando na ponta dos pés como quem pisa nos corações que rolaram dos cabarés. Nunca será de ninguém, mas eu não sei viver sem, e fim. Arrasa o meu projeto de vida: querida, bandida, santa, artista, demente, egípcia, vadia, espinho, penélope, filha, fada, esfinge, lebre, o meu projeto de vida... a falsa, a gueixa, a rosa. Você vai pagar e é dobrado, cada lágrima rolada nesse meu penar. Imagina hoje à noite a gente se perder, a lua se apagar? Tinha cá pra mim que agora sim, eu vivia enfim um grande amor. Pra quem você tem olhos azuis, e com as manhãs remoça? No sonho de quem você vai e vem com os cabelos que você solta? Eu nunca sonhei com você, Lígia."
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/retrato_da_substancia/2012/01/elas-todas-buarque-de-hollanda.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29#ixzz1kmTmZrcV
Mulheres inspiradoras
Livro identifica quem são as musas por trás de algumas das mais famosas canções do mundo e revela a história de cada uma
Ivan ClaudioConfira, em vídeo, trechos de alguns clássicos e suas musas :
ESCÂNDALO
Brigitte Bardot pediu ao amante Serge Gainsbourg uma música: ele fez “Je T’aime”
Não existe nenhuma estatística a respeito, mas é sabido que a maior parte das canções fala de amor e que, dessa parcela, não são poucas aquelas cujos versos são endereçados a mulheres. Trata-se de uma tradição que remonta à origem da poesia e da própria música popular – as pessoas encaram esse fato com tanta naturalidade que nunca questionaram quem são as Diana, Michelle, Angie, Carol e outras beldades cantadas em estrofes e rimas. Agora o livro “Músicas e Musas”, dos autores ingleses Michael Heatley e Frank Hopkinson, revela a inspiração de 50 das mais conhecidas canções do mundo e desnuda bastidores movidos a confissões, acessos de ciúmes, traições e até rompimentos raivosos. O que era cifrado ganha dedicatória pública.
Entre as baladas mais escandalosas já feitas, “Je T’aime (Moi non Plus)” é conhecida na voz do cantor Serge Gainsbourg e de sua mulher, a atriz e cantora Jane Birkin. Sempre foi vista como uma voluptuosa declaração de amor mútuo. Na verdade, a musa dos versos era outra: a atriz Brigitte Bardot, então casada com o industrial alemão Gunther Sachs. Ele ficou tão furioso ao ouvir o dueto registrado por ela com Gainsbourg que mandou tirá-lo de circulação – no que foi apoiado pelo Vaticano e pela dona da gravadora Philips, a rainha Juliana da Holanda. Outro recado amoroso em forma de canção que acabou com um casamento foi o de Eric Clapton para a modelo Pattie Boyd, a primeira mulher do ex-beatle George Harrison. Clapton fez para ela o blues “Layla”, baseado no relato persa de um relacionamento adúltero, mas não conseguiu conter o impulso de tornar público o romance. Numa festa em Londres, encontrou o amigo Harrison e contou tudo à queima-roupa. Já casado com Pattie, passou a chamar o ex-beatle de “husband-in-law” (marido cunhado).
Entre as baladas mais escandalosas já feitas, “Je T’aime (Moi non Plus)” é conhecida na voz do cantor Serge Gainsbourg e de sua mulher, a atriz e cantora Jane Birkin. Sempre foi vista como uma voluptuosa declaração de amor mútuo. Na verdade, a musa dos versos era outra: a atriz Brigitte Bardot, então casada com o industrial alemão Gunther Sachs. Ele ficou tão furioso ao ouvir o dueto registrado por ela com Gainsbourg que mandou tirá-lo de circulação – no que foi apoiado pelo Vaticano e pela dona da gravadora Philips, a rainha Juliana da Holanda. Outro recado amoroso em forma de canção que acabou com um casamento foi o de Eric Clapton para a modelo Pattie Boyd, a primeira mulher do ex-beatle George Harrison. Clapton fez para ela o blues “Layla”, baseado no relato persa de um relacionamento adúltero, mas não conseguiu conter o impulso de tornar público o romance. Numa festa em Londres, encontrou o amigo Harrison e contou tudo à queima-roupa. Já casado com Pattie, passou a chamar o ex-beatle de “husband-in-law” (marido cunhado).
BELEZA NO ROCK
Mick Jagger fez para Marianne Faithfull “Let’s Spend The Night Together”
Jagger é o maior colecionador de musas do livro e, na falta de inspiração, chegou a roubar uma música do parceiro Ron Wood, verdadeiro autor da melodia de “Hey Negrita”, para colocar a mulher Bianca Jagger no pedestal. Mas nem tudo são baixarias no livro. Os casos mais cor-de-rosa também estão lá, a exemplo de “Sweetest Thing”, presente de Bono para a sua mulher Ali Stewart – a canção foi feita como um pedido de perdão do cantor por ter se esquecido do aniversário dela. Outro caso de reconciliação: “The Prettiest Star”, que David Bowie fez para Angie e tocou para ela ouvir numa ligação internacional para o Chipre, onde a sua então namorada se refugiou depois de uma briga.
http://www.istoe.com.br/reportagens/188356_MULHERES+INSPIRADORAS?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage
Samba na Garoa
Os anos 90 ficaram marcados pelo 'boom' do pagode. No especial Samba na Garoa, Diogo Nogueira canta e conversa com Netinho de Paula e Salgadinho para matar a saudade dos clássicos do Negritude Júnior e do Katinguelê.
Juntos, eles contam a história de quem nasceu na Cohab e de lá foi para o mundo, ou de quem descobriu o samba com um cavaquinho, arriscou-se no choro e aos 12 anos já fazia pagode com a turma. No repertório, clássicos como Beijinho geladinho, Timidez, Cohab City e Compasso do criador.
Juntos, eles contam a história de quem nasceu na Cohab e de lá foi para o mundo, ou de quem descobriu o samba com um cavaquinho, arriscou-se no choro e aos 12 anos já fazia pagode com a turma. No repertório, clássicos como Beijinho geladinho, Timidez, Cohab City e Compasso do criador.
Cinema e Literatura - André Setaro
Dei-me, noutro dia, a pensar, ao reler Memorial de Ayres, de Machado de Assis, a derradeira obra deste gênio da literatura brasileira, que é meu livro de cabeceira, como seria possível adaptá-lo ao cinema. Se, nos romances da fase inicial, e, mesmo, nos outros, há uma possibilidade, ainda que remota, de adequar o discurso literário ao discurso cinematográfico (Memórias póstumas de Brás Cubas, de André Klotzel, por exemplo), mas sempre com um resultado bastante inferior à fonte inspiradora, no caso de Memorial de Ayres não existe propriamente uma ação progressiva, mas uma, por assim dizer, inação. EmHelena, do mesmo autor, o mais bem acabado do ponto de vista da estruturação dos elementos da fábula, com um crescendo surpreendente que acaba por atingir o trágico, em Memorial de Ayres não existe uma progressão do elemento fabulístico. Alguém disse, e muito bem, que a obra revela, sim, uma progressão, mas uma progressão da intimidade entre os personagens.
David Wark Griffith, o pai da linguagem cinematográfica, inspirou-se na estrutura narrativa dos romances de Charles Dickens para estabelecer a sua montagem narrativa. Nos anos 50, principalmente com Roberto Rossellini e Michelangelo Antonioni, procedeu-se a um cinema anti-narrativo, sem se fundamentar na lei de progressão dramática griffithiana: um cinema da inação no qual nada acontece. Machado de Assis, neste particular, em Memorial de Ayres, já estava, na literatura, procedendo como um Antonioni avant la lettre. Em Machado de Assis se configura exemplarmente que o valor de uma obra (seja ela cinematográfica ou literária) se encontra na maneira de articulação dos elementos da sintaxe, no estilo, em suma. São as reflexões que estabelecem a curiosidade e a sabedoria das linhas machadianas, reflexões, diga-se de passagem, ditadas pelo seu estilo soberbo, pela sua escrita magnífica.
Machado de Assis, antes de dar início a Memorial de Ayres (o original é com y), faz uma advertência, "Quem me leu Esaú e Jacó talvez reconheça estas palavras do prefácio: Nos lazeres do ofício escrevia o Memorial, que, apesar das páginas mortas ou escuras, apenas daria (e talvez dê) para matar o tempo da barca de Petrópolis. Referia-me ao Conselheiro Ayres. Tratando-se agora de imprimir oMemorial, achou-se que a parte relativa a uns dous anos (1888-1889), se for decotada de algumas circunstâncias, anedotas, descrições e reflexões - pode dar uma narração seguida, que talvez interesse, apesar da forma de diário que tem. Não houve pachorra de a redigir à maneira daquela outra - nem pachorra, nem habilidade. Vai como estava, mas desbastada e estreita, conservando só o que liga o mesmo assunto. O resto aparecerá um dia, se aparecer algum dia."
O poeta e intelectual Francisco Barbosa assim se manifesta em relação aMemorial de Ayres: "A temática da velhice é apresentada, ainda na cena do cemitério, não apenas de maneira literal, mas também metafórica, através das reflexões de Ayres sobre o túmulo familiar:
"Não é feio o nosso jazigo; podia ser um pouco mais simples, - a inscrição e uma cruz, - mas o que está é bem feito. Achei-o novo demais, isso sim. Rita fá-lo lavar todos os meses, e isto impede que envelheça. Ora, eu creio que um velho túmulo dá melhor impressão do oficio, se tem as negruras do tempo, que tudo consome. O contrário parece sempre da véspera."
Se o conselheiro, no trecho acima, aponta para a necessidade de se assumir a velhice, não o faz, no transcorrer do romance, sem certa dose de melancolia. "se os mortos vão depressa, os velhos ainda vão mais depressa que os mortos... Viva a mocidade!" diz ao amigo desembargador. E o parágrafo final do romance é um dos mais pungentes lamentos já escritos sobre a mocidade perdida:
"Ao fundo, à entrada do saguão, dei com os dois velhos sentados, olhando um para o outro. (...) Ao transpor a porta para a rua, vi-lhes no rosto e na atitude uma expressão a que não acho nome certo ou claro; digo o que me pareceu. Queriam ser risonhos e mal se podiam consolar. Consolava-os a saudade de si mesmos."
O romance filmado é uma utopia. Havendo, como há, duas linguagens autônomas e especificas, como se pode efetuar a transferência da linguagem literária - signos verbais - para a linguagem cinematográfica - signos icônicos? De fato, quando ocorre a adaptação de uma obra literária para o cinema há, apenas, o aproveitamento da fábula, dos personagens, das situações, desaparecendo, com isso, a narrativa, considerando que o que faz o estilo de um escritor é sua capacidade de reger as palavras numa determinada sintaxe, e o estilo de um cineasta está na sua capacidade de manejar os elementos da linguagem fílmica - os planos, os movimentos de câmera, as angulações, a montagem etc.
Por outro lado, alguns cineastas se valem de subliteratura para, aproveitando a eventual engenhosidade da fábula, transformá-la em filme. Neste caso, a narrativa, se tende para o grau zero de conotação no plano literário, pode se transformar numa narrativa convincente, e plena de poeticidade, no aproveitamento da fábula da subliteratura. É o que faz, por exemplo, Alfred Hitchcock, cujos filmes, com raras exceções, foram sempre baseados em fábulas da chamada pulp fiction (literatura barata), investindo o cineasta nelas como mero pretexto narrativo, o conteúdo estando sempre a serviço da forma/discurso/narrativa.
Temerária é a adaptação de um monumento da literatura universal. King Vidor empreendeu a conquista de Guerra e Paz para o cinema. Com um resultado desanimador se comparado o filme à obra que lhe deu origem, pois Vidor aproveitou somente os personagens, a intriga e as situações. Em uma palavra: a fábula. A narrativa de Leon Tolstoi foi diluída pela narrativa do cineasta, despersonalizando o fluxo do texto específico e da linguagem do escritor em função de outro fluxo linguístico.
O cineasta, portanto, ao adaptar uma obra literária empreende uma transferência de linguagem que se poderia situar no terreno da utopia. Em O processo, baseado em Franz Kafka, Orson Welles, com sua narrativa barroca, faz desaparecer a narrativa kafkiana (baseada em signos verbais) em função de uma narrativa wellesiana. Restam, é verdade, a fábula, os personagens, as situações. O filme, entretanto, é mais Welles do que Kafka. Também em Madame Bovary, de Claude Chabrol, apesar deste cineasta não possuir a exuberância estilística de Welles e ter querido uma fidelidade exemplar ao texto literário de Gustave Flaubert, a despersonalização se faz presente, porque em Madame Bovary, o filme, não se localiza o estilo flaubertiano e, pela fidelidade extremada, também se evapora o estilo chabroliniano. Neste caso, duas as despersonalizações: a do escritor e a do cineasta. Há ainda a considerar que o leitor do livro imagina a sua Bovary, existindo tantas Emas quantos os leitores da obra literária. No filme, Ema é Isabelle Huppert. Ou Jennifer Jones, caso da versão para o cinema do grande Vincente Minnelli.
E, como pensar, então, num filme extraído de Memorial de Ayres, que tem no estilo machadiano a sua grande força?
James Franco's new college show upsets students
© Dan Steinberg/AP
James Franco's new college show upsets students
Jan. 27, 2012, 12:38 PM EST
WENN James Franco has upset students at the University of Southern California over a new Internet reality show he produces, which features the wild side of college life in Los Angeles.
Bing: James Franco, renaissance man
The actor, who studied at rival UCLA, was hoping to focus on USC's parties and students' run-ins with the law in "Undergrads," which debuted on Thursday night.
It follows a pack of students coping with life off campus and features boozy scenes of debauchery and excess and footage of police officers shutting down out-of-control parties. But while the kids on camera appear to be having a good time, several other students are disgusted by the idea and think Franco should be ashamed of himself.
Junior cinematic arts major Travis Newhouse tells the Los Angeles Times, "It's irresponsible."
And junior Ellie Newcomer Smith adds, "It so undermines the strides the school has made academically."
Reports suggest protests are planned as students and university officials attempt to shut down the show.
http://tv.msn.com/tv/article.aspx?news=699088>1=28103&wa=wsignin1.0
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Definição da moça
Como defini-la
quando está vestida
se ela me desbunda
como se despida?
Como defini-la
quando está desnuda
se ela é viagem
como toda nuvem?
Como desnudá-la
quando está vestida
se está mais despida
do que quando nua?
Como possui-la
quando está desnuda
se ela toda é chuva?
se ela é toda vulva?
Ferreira Gullar
(1930)
Sundance tem filmes sobre Elvis argentino e blogueira sexual
FERNANDA EZABELLA
ENVIADA ESPECIAL A PARK CITY, UTAH
Sundance: Brasil x Argentina x Chile
O Brasil está nesta edição de Sundance na competição de drama internacional com o filme "A Cadeira do Pai" (foto acima, teaser abaixo), do estreante em longas Luciano Moura.
Wagner Moura é o protagonista, um médico que precisa ir atrás do filho adolescente que fugiu de casa.
Entrevistei os dois Mouras (sem parentesco), está na Ilustrada de hoje ou aqui para assinantes da Folha/Uol:
Outros três latinos estão na lista de 14 trabalhos selecionados na competição, dois deles chilenos e um argentino.
"El Último Elvis", do argentino Armando Bo, se passa no mundo dos sósias de Buenos Aires e segue “Elvis” Gutiérrez, que de dia tem um emprego enfadonho numa fábrica.
Sua ex-mulher se preocupa que seu comportamento obsessivo afeta sua filha mais jovem, Lisa Marie. Trailer abaixo.
Andrés Wood, diretor chileno de "Machuca" (2004), apresenta "Violeta se Fue a los Cielos", sobre a cantora folk Violeta Parra, uma espécie de Edith Piaf ou Bob Dylan chilena, segundo a resenha.
O filme é uma coprodução do Chile com Brasil, Argentina e Espanha.
"Young & Wild" (foto abaixo) é a outra obra chilena, da diretora Marialy Rivas, sobre uma garota de 17 anos em Santiago que começa um blog para contar suas aventuras sexuais, com medo de que sua família religiosa descubra.
Conversei com diretores e atores de "El Ultimo Elvis" e "Young & Wild". A matéria está na Folha.com:
Sundance tem filme sobre Elvis argentino e blogueira chilena
Carlos Gutiérrez insiste em chamar a ex-mulher de Priscilla, embora ela se chame Alejandra. Os dois têm uma filha pequena, Lisa Marie, para quem ele só faz sanduíche de pasta de amendoim com banana. Carlos acha que é Elvis Presley, em plena Buenos Aires.
"Deus me deu sua voz", explica o personagem, centro do filme de ficção argentino "The Last Elvis", que compete no Sundance Film Festival com outros 14 longas internacionais, incluindo três latinos: o brasileiro "A Cadeira do Pai" e os chilenos "Young & Wild" e "Violeta Went to Heaven".
O trabalho é a estreia na direção de longas do argentino Armando Bo, corroteirista do mexicano "Biutiful", indicado a dois Oscars em 2011. Ele conta que teve a ideia do filme quando rodou um comercial com uma sósia de Elvis há seis anos e ficou intrigado com a ideia de pessoas que vivem as vidas de outras pessoas.
Para protagonizar a história ele chamou John McInerny, que já fazia performances nos arredores de Buenos Aires imitando Elvis. Por quatro meses, ele treinou para virar ator. "John é neto de irlandês, não se parece muito com argentino e isto dá um toque diferente à trama. O jeito como canta e como fala inglês é especial para o filme", explicou o diretor à Folha.
EM GRACELAND
No longa, Carlos "Elvis" Gutiérrez vive entre amigos que fazem sósias de outras celebridades, como Iggy Pop, Britney Spears e Freddie Mercury, todos membros de uma associação decadente que vive lhes devendo dinheiro.
Sua ex-mulher diz que sua obsessão com Elvis prejudica a relação com a filha, mas um acidente o faz cair na real. "É um momento importante, ele é exposto à realidade e tem este pequeno momento entre pai e filha", diz Bo, que recriou em estúdio os quartos de Graceland, mansão de Elvis em Memphis, que aparece nas cenas finais.
A história lembra o chileno "Tony Manero" (2008), sobre um homem obcecado pelo personagem de John Travolta em "Os Embalos de Sábado à Noite", mas sem o contexto político da ditadura de Pinochet.
BLOGUEIRA SEXUAL
"Young & Wild", da diretora estreante Marialy Rivas, é livremente baseado num blog extinto da hoje jornalista chilena Camila Gutiérrez, 26, que colaborou com o roteiro.
Criada por uma família evangélica, Camila começou aos 21 anos a postar sobre suas aventuras sexuais e devaneios religiosos, num blog que durou quase três anos. "Ela era muito famosa na internet, como uma rockstar", exagera a atriz Alicia Rodríguez, que a interpreta no filme, feito numa linguagem jovem e cheio de ilustrações sexuais.
A história segue a vida de Daniela, expulsa da escola no último ano por transar com um colega no banheiro. Em meio a brigas com os pais fervorosos, ela arranja um namorado evangélico que quer se casar
virgem e começa a ter um caso com uma colega do trabalho, num canal de TV religioso.
Enquanto isso, ela posta as experiências no blog, em textos repletos de referências bíblicas, torcendo para a mãe histérica nunca descobrir. Na vida real, Camila diz que a mãe nunca soube, até seis dias atrás, provavelmente por conta do filme. "Deve ter sido alguém da igreja", diz. "Nem lembro do que ela falou ao telefone, fiquei surpreendida e ela estava enlouquecida."
http://fernandaezabella.folha.blog.uol.com.br/
"El Último Elvis", do argentino Armando Bo, se passa no mundo dos sósias de Buenos Aires e segue “Elvis” Gutiérrez, que de dia tem um emprego enfadonho numa fábrica.
Sua ex-mulher se preocupa que seu comportamento obsessivo afeta sua filha mais jovem, Lisa Marie. Trailer abaixo.
Andrés Wood, diretor chileno de "Machuca" (2004), apresenta "Violeta se Fue a los Cielos", sobre a cantora folk Violeta Parra, uma espécie de Edith Piaf ou Bob Dylan chilena, segundo a resenha.
O filme é uma coprodução do Chile com Brasil, Argentina e Espanha.
"Young & Wild" (foto abaixo) é a outra obra chilena, da diretora Marialy Rivas, sobre uma garota de 17 anos em Santiago que começa um blog para contar suas aventuras sexuais, com medo de que sua família religiosa descubra.
Conversei com diretores e atores de "El Ultimo Elvis" e "Young & Wild". A matéria está na Folha.com:
Sundance tem filme sobre Elvis argentino e blogueira chilena
Carlos Gutiérrez insiste em chamar a ex-mulher de Priscilla, embora ela se chame Alejandra. Os dois têm uma filha pequena, Lisa Marie, para quem ele só faz sanduíche de pasta de amendoim com banana. Carlos acha que é Elvis Presley, em plena Buenos Aires.
"Deus me deu sua voz", explica o personagem, centro do filme de ficção argentino "The Last Elvis", que compete no Sundance Film Festival com outros 14 longas internacionais, incluindo três latinos: o brasileiro "A Cadeira do Pai" e os chilenos "Young & Wild" e "Violeta Went to Heaven".
O trabalho é a estreia na direção de longas do argentino Armando Bo, corroteirista do mexicano "Biutiful", indicado a dois Oscars em 2011. Ele conta que teve a ideia do filme quando rodou um comercial com uma sósia de Elvis há seis anos e ficou intrigado com a ideia de pessoas que vivem as vidas de outras pessoas.
Divulgação | ||
Cena do filme argentino "The Last Elvis", que compete no Sundance Film Festival |
EM GRACELAND
No longa, Carlos "Elvis" Gutiérrez vive entre amigos que fazem sósias de outras celebridades, como Iggy Pop, Britney Spears e Freddie Mercury, todos membros de uma associação decadente que vive lhes devendo dinheiro.
Sua ex-mulher diz que sua obsessão com Elvis prejudica a relação com a filha, mas um acidente o faz cair na real. "É um momento importante, ele é exposto à realidade e tem este pequeno momento entre pai e filha", diz Bo, que recriou em estúdio os quartos de Graceland, mansão de Elvis em Memphis, que aparece nas cenas finais.
A história lembra o chileno "Tony Manero" (2008), sobre um homem obcecado pelo personagem de John Travolta em "Os Embalos de Sábado à Noite", mas sem o contexto político da ditadura de Pinochet.
BLOGUEIRA SEXUAL
"Young & Wild", da diretora estreante Marialy Rivas, é livremente baseado num blog extinto da hoje jornalista chilena Camila Gutiérrez, 26, que colaborou com o roteiro.
Criada por uma família evangélica, Camila começou aos 21 anos a postar sobre suas aventuras sexuais e devaneios religiosos, num blog que durou quase três anos. "Ela era muito famosa na internet, como uma rockstar", exagera a atriz Alicia Rodríguez, que a interpreta no filme, feito numa linguagem jovem e cheio de ilustrações sexuais.
A história segue a vida de Daniela, expulsa da escola no último ano por transar com um colega no banheiro. Em meio a brigas com os pais fervorosos, ela arranja um namorado evangélico que quer se casar
virgem e começa a ter um caso com uma colega do trabalho, num canal de TV religioso.
Enquanto isso, ela posta as experiências no blog, em textos repletos de referências bíblicas, torcendo para a mãe histérica nunca descobrir. Na vida real, Camila diz que a mãe nunca soube, até seis dias atrás, provavelmente por conta do filme. "Deve ter sido alguém da igreja", diz. "Nem lembro do que ela falou ao telefone, fiquei surpreendida e ela estava enlouquecida."
http://fernandaezabella.folha.blog.uol.com.br/
Mas existe gravação original?
Por Túlio Villaça
Existe este conceito, ele faz sentido? Uma gravação de uma canção pode ser a primeira, e então a música é inédita, ou ser uma regravação. Ser o primeiro a gravar uma canção faz diferença de cantá-la conhecendo uma interpretação anterior de outra pessoa? É possível considerar a primeira gravação como sendo a referência de todas as outras posteriores, para o bem ou para o mal?
Quando ouvimos uma regravação ouvimos também a gravação original por trás dela. Se conhecemos uma gravação anterior, estabelecemos automaticamente uma relação nesta reaudição. Mas mesmo que não a conheçamos, ouvimos o seu eco na regravação – se o cantor conhece a gravação original. E se ele não conhece, há este eco em sua interpretação, sem que ele perceba ou controle?
Me acostumei ao longo do tempo com a idéia de uma gravação original que fosse considerada a referência da canção, idéia muito dos pesquisadores da música brasileira pré-bossa nova. Mais tarde descobri que no meio acadêmico hoje esta idéia é repudiada por muitos. Não sei se posso concordar inteiramente com nenhuma das duas posições. Trago quatro exemplos bem diversos, em que a ligação entre duas ou mais gravações obedece a diferentes critérios:
Primeiro exemplo: descobri há dias que Ai, se eu te pego, o sucesso internacional que acaba de ser gravado em hebraico, tem a seguinte e mirabolante história: foi composta e gravada por uma funkeira baiana, adaptada por um forrozeiro e gravada por um grupo chamado Cangaia de Jegue, e só então por Michel Teló, que é classificado como sertanejo universitário (sic).
Antes de qualquer coisa, uma informação como esta se presta a uma análise e tanto sobre a nossa indústria cultural de massa descaracterizando tudo que toca. Mas isto só se torna possível porque ela encontra uma canção como esta, que passa incólume por essas sucessivas mutações. Comentei no Facebook que ela tem que ser absolutamente genial ou não ser absolutamente nada para conseguir ser todas estas coisas sem realmente ser nenhuma, e no fundo acho que ela junta as duas coisas, sendo genial em sua capacidade de ser nada. Não vai ironia aqui. Será que a gravação da baiana Sharon Acioly (autora também da Dança do quadrado!) pode ser considerada a verdadeira, cantada do ponto de vista feminino? Ou a do Cangaia de Jegue, que não é a que foi ouvida por quem fez a tradução para o hebraico? E no entanto, foi a partir destas gravações que foi definida a versão que explodiu nas paradas de sucesso.
Certo, esta canção certamente será esquecida dentro de pouco tempo, ela foi feita para isso. Mas a reflexão acima vale não somente para ela, mas para a obra de arte de massa em geral, em que o processo de criação é bem outro, seguindo critérios de autoria muito diversos, e que ainda vão ter que ser estudados pelos teóricos de Comunicação.
Segundo exemplo:
Fadas – Luiz Melodia
Luiz Melodia gravou Fadas em seu álbum de 1978, Mico de circo, como um vigoroso choro, cheio de ironias típicas de seu samba sofisticado, como o erro de português proposital logo no primeiro verso, Devo de ir (ele também usa a preposição de fora de propósito num verso de Ébano, Espero de te encontrar com mais saúde, assumindo uma sintaxe de pessoa iletrada tentando falar na forma culta), mas com um lirismo igualmente vigoroso.
Fadas – Elza Soares
Elza Soares regravou Fadas em 2002, no álbum Do cóccix até o pescoço, tranformando o choro num inesperado tango. A canção perdeu algo da ironia da gravação original, mas permaneceu lírica e um tanto ácida na leitura de Elza. Ainda assim, são visões muito diversas da mesma canção. Mas Luiz Melodia, depois desta gravação, passou a frequentemente apresentá-la em shows com o arranjo da gravação de Elza! É o caso de uma regravação influenciar o autor (Lembra-me também Bob Dylan, que após a gravação de Knockin’ on the heavens door por Bob Marley, passou a também cantar sua própria canção como reggae).
Terceiro exemplo:
Dura na queda – Elza Soares
Dura na queda foi composta por Chico Buarque especialmente para Elza Soares, e gravada por ela no mesmo álbum de 2002. José Miguel Wisnik, produtor do álbum, conta que foi à casa do Chico para anotar a tortuosa melodia da voz do próprio autor, contendo inclusive uma citação de An american in Paris, de George Gershwin, e que na hora de cantar Elza arredondou completamente a melodia, chegando a tornar descendentes frases ascendentes e vice-versa, o que levou Chico a gravar a canção depois eu seu álbum Carioca:
Dura na queda – Chico Buarque
E neste caso, qual deverá ser a versão real? A que tem a melodia correta, a do autor – que não é a primeira, ou a da cantora para quem a música foi feita, esta sim a original em seu significado estrito?
Quarto e último exemplo: Luiz Tatit diz que João Gilberto é recompositor, por tomar uma canção que muitas vezes é consagrada e muito conhecida, e nos revelar arestas insuspeitadas, como disse Caetano, e resolver o dilema à sua maneira particular, criando versões que soam definitivas das canções, sem deixar de remeter continuamente à história de cada uma, às gravações anteriores, originais, sempre referencial, sempre sobejamente autosuficiente. Cito a partir daqui, ipse litteris , um trecho do documentário Tim tim por tim tim – a música de João Gilberto, texto do pesquisador Paulo da Costa e Silva, e eu não poderia dizer melhor:
http://tuliovillaca.wordpress.com/
Existe este conceito, ele faz sentido? Uma gravação de uma canção pode ser a primeira, e então a música é inédita, ou ser uma regravação. Ser o primeiro a gravar uma canção faz diferença de cantá-la conhecendo uma interpretação anterior de outra pessoa? É possível considerar a primeira gravação como sendo a referência de todas as outras posteriores, para o bem ou para o mal?
Quando ouvimos uma regravação ouvimos também a gravação original por trás dela. Se conhecemos uma gravação anterior, estabelecemos automaticamente uma relação nesta reaudição. Mas mesmo que não a conheçamos, ouvimos o seu eco na regravação – se o cantor conhece a gravação original. E se ele não conhece, há este eco em sua interpretação, sem que ele perceba ou controle?
Me acostumei ao longo do tempo com a idéia de uma gravação original que fosse considerada a referência da canção, idéia muito dos pesquisadores da música brasileira pré-bossa nova. Mais tarde descobri que no meio acadêmico hoje esta idéia é repudiada por muitos. Não sei se posso concordar inteiramente com nenhuma das duas posições. Trago quatro exemplos bem diversos, em que a ligação entre duas ou mais gravações obedece a diferentes critérios:
Primeiro exemplo: descobri há dias que Ai, se eu te pego, o sucesso internacional que acaba de ser gravado em hebraico, tem a seguinte e mirabolante história: foi composta e gravada por uma funkeira baiana, adaptada por um forrozeiro e gravada por um grupo chamado Cangaia de Jegue, e só então por Michel Teló, que é classificado como sertanejo universitário (sic).
Antes de qualquer coisa, uma informação como esta se presta a uma análise e tanto sobre a nossa indústria cultural de massa descaracterizando tudo que toca. Mas isto só se torna possível porque ela encontra uma canção como esta, que passa incólume por essas sucessivas mutações. Comentei no Facebook que ela tem que ser absolutamente genial ou não ser absolutamente nada para conseguir ser todas estas coisas sem realmente ser nenhuma, e no fundo acho que ela junta as duas coisas, sendo genial em sua capacidade de ser nada. Não vai ironia aqui. Será que a gravação da baiana Sharon Acioly (autora também da Dança do quadrado!) pode ser considerada a verdadeira, cantada do ponto de vista feminino? Ou a do Cangaia de Jegue, que não é a que foi ouvida por quem fez a tradução para o hebraico? E no entanto, foi a partir destas gravações que foi definida a versão que explodiu nas paradas de sucesso.
Certo, esta canção certamente será esquecida dentro de pouco tempo, ela foi feita para isso. Mas a reflexão acima vale não somente para ela, mas para a obra de arte de massa em geral, em que o processo de criação é bem outro, seguindo critérios de autoria muito diversos, e que ainda vão ter que ser estudados pelos teóricos de Comunicação.
Segundo exemplo:
Fadas – Luiz Melodia
Luiz Melodia gravou Fadas em seu álbum de 1978, Mico de circo, como um vigoroso choro, cheio de ironias típicas de seu samba sofisticado, como o erro de português proposital logo no primeiro verso, Devo de ir (ele também usa a preposição de fora de propósito num verso de Ébano, Espero de te encontrar com mais saúde, assumindo uma sintaxe de pessoa iletrada tentando falar na forma culta), mas com um lirismo igualmente vigoroso.
Fadas – Elza Soares
Elza Soares regravou Fadas em 2002, no álbum Do cóccix até o pescoço, tranformando o choro num inesperado tango. A canção perdeu algo da ironia da gravação original, mas permaneceu lírica e um tanto ácida na leitura de Elza. Ainda assim, são visões muito diversas da mesma canção. Mas Luiz Melodia, depois desta gravação, passou a frequentemente apresentá-la em shows com o arranjo da gravação de Elza! É o caso de uma regravação influenciar o autor (Lembra-me também Bob Dylan, que após a gravação de Knockin’ on the heavens door por Bob Marley, passou a também cantar sua própria canção como reggae).
Terceiro exemplo:
Dura na queda – Elza Soares
Dura na queda foi composta por Chico Buarque especialmente para Elza Soares, e gravada por ela no mesmo álbum de 2002. José Miguel Wisnik, produtor do álbum, conta que foi à casa do Chico para anotar a tortuosa melodia da voz do próprio autor, contendo inclusive uma citação de An american in Paris, de George Gershwin, e que na hora de cantar Elza arredondou completamente a melodia, chegando a tornar descendentes frases ascendentes e vice-versa, o que levou Chico a gravar a canção depois eu seu álbum Carioca:
Dura na queda – Chico Buarque
E neste caso, qual deverá ser a versão real? A que tem a melodia correta, a do autor – que não é a primeira, ou a da cantora para quem a música foi feita, esta sim a original em seu significado estrito?
Quarto e último exemplo: Luiz Tatit diz que João Gilberto é recompositor, por tomar uma canção que muitas vezes é consagrada e muito conhecida, e nos revelar arestas insuspeitadas, como disse Caetano, e resolver o dilema à sua maneira particular, criando versões que soam definitivas das canções, sem deixar de remeter continuamente à história de cada uma, às gravações anteriores, originais, sempre referencial, sempre sobejamente autosuficiente. Cito a partir daqui, ipse litteris , um trecho do documentário Tim tim por tim tim – a música de João Gilberto, texto do pesquisador Paulo da Costa e Silva, e eu não poderia dizer melhor:
Muitas vezes, a canção recriada por João é tão difundida, tão fincada no repertório comum, que não é mais possível remetê-la a uma única fonte primordial, a essa ou aquila matriz de referência. As inúmeras gravações de Garota de Ipanema, Aquarela do Brasil e Desafinado sobrepõe-se de tal maneira que terminam por formar uma espécie de original ideal da canção, que jamais é realizado concretamente. A memória não é apenas uma máquina de registro, na qual eventos passados e experiências são armazenados de forma imutável. A memória é ativa, modifica o que guarda. Costuma agir sobre as melodias armazenadas de modo a torná-las mais padronizadas e confortáveis para a própria mente, mais redondas e esquemáticas, portanto mais facilmente assimiláveis e rememoráveis. Ao ser retida, a forma musical geralmente é alterada na direção da regularidade, da simetria e da completude. Ou seja, tendemos a lembrar dos temas musicais como sendo mais simples do que eles realmente são, como tipos ideais mais do que como objetos particulares dessa ou daquela interpretação. A música de João nos induz continuamente a essa comparação com o tipo ideal, com a lembrança que temos de determinada canção. Talvez nenhum exemplo da capacidade de João de dar vida nova a uma canção já gasta seja mais indicativo do que suas gravações de Garota de Ipanema.
http://tuliovillaca.wordpress.com/
POUCA DIFERENÇA
espera ai q eu vou dizer meu bem....
Nem couro de lobisomem
Se correr o bicho pega
Se ficar o bicho come
Laerte, Muchacha e memória afetiva
Por: Claudio Yuge
10/11/2010
Lembro-me bem da primeira vez que li alguma coisa do Laerte. Procurando pela rede para ser mais preciso, já que não tenho mais aquela edição, descobri que foi a história Ameaça Nuclear, do número 7 da finada Circo.
Leio quadrinhos desde muito guri e ná época, em 1987 ou 1988, quando tinha nove ou dez anos, já devorava coisas de Sherlock Holmes e de Júlio Verne, começava a me aventurar pelo policial juvenil Marcos Rey; era um nerd viciado em MSX.
E, mesmo assim, Ameaça Nuclear foi impactante. Caiu como uma bomba em meu cérebro e teria efeito semelhante, anos depois, com o que Watchmen, V de Vingança, Sandman e Cavaleiro das Trevas causou em minha mente.
O trabalho de Laerte, desde aquelas olhadelas quando criança, passou a ser uma constante em minha vida. Virou um troço pulsante, capaz de me tornar ainda mais inquieto. Impulsionou a me fazer escrever e criar, desenhar. ”Como é que esse cara consegue fazer traços tão soltos? Mesmo depois do nanquim?” Um mistério adolescente.
Já mais crescidinho, reli Ameaça Nuclear ao comprar novamente aquela Circo em um sebo. Depois li novamente anos depois. Em seguida perdi a revista, mas nunca mais deixei de pensar naquilo de tempos em tempos. E fui acompanhando a saga de nosso artista ao longo desse tempo.
Sempre gostei mais dele porque foi o que sempre se preocupou (ou não, de repente foi uma necessidade) em se reinventar. De expressar realmente aquilo que não cabe em si mesmo, não somente o que precisa expressar pra sobreviver.
Bem, enfim, depois desse blablablá todo, tenho o enorme prazer de apresentar a entrevista que fiz com ele recentemente, para o jornal que trabalho aqui em Curitiba, a Folha de Londrina.
Você já tem ideia de quantos álbuns já lançou?
- São sempre coletâneas de trabalhos que fiz, então deve ter uns 20 e poucos livros, acho. Uma conta um pouco confusa porque tem algumas editoras que foram à falência e livros que não estão mais disponíveis.
De onde saiu a iniciativa de publicar Muchacha’?
- Eu tinha negociado com a Companhia das Letras quando estava produzindo a história para o caderno Ilustrada (da Folha de S. Paulo). Essa história da Muchacha sucede uma série que estava fazendo sobre memórias da televisão, que foram publicadas no álbum Laertevisão (publicado pela Conrad Editora). Quando terminei, dei o ciclo de memórias pessoais encerrado. Mas eu gostei de ter acessado esse mundo dos anos 50, da televisão. Então comecei a investigar, a trabalhar esses seriados de ação que tinham na época pré-videotape…
Como quais?
- Falcão Negro. O Falcão Negro é a referência. O Capitão Tigre é uma espécie de Falcão Negro. Então fui criando outros personagens e aos poucos fui sentindo que aquilo era uma história. Daí passei a construir um roteiro fora da intenção inicial, que era só curtir um pouco.
O projeto foi mudando então conforme você foi produzindo?
- Comecei a fazer a história com uma ideia geral do que ia ser. Depois de um tempo fui achando que aquilo poderia ficar de pé e fui inventando um background para cada personagem. E aí comecei a construir capítulos para manter essa história em pé.
Você disse que tinha encerrado um ciclo de memórias com o Laertevisão mas depois se empolgou e prolongou esse ciclo com Muchacha. Sente ter encerrado esse ciclo agora?
- Estou na idade em que as pessoas começam a fazer memórias. É interessante fazer memórias quando você chega aos 60 anos, tem muito material. Não sei, as coisas que vivi nesse mundo do passado tem elementos que ajudam a pensar o presente.
Que exemplos você pode dar sobre isso?
- É simples quanto comparar as coisas. Hoje quando você pensa em seriado de televisão você pensa no modo americano de produzir, com 20 e tantos episódios, cumprir uma temporada, negociar essa temporada… Existe uma tradição firmada neste território de ficção que permite as pessoas trabalharem em cima de um terreno sólido. E naquela época não, era tudo improviso, tudo uma invenção a partir de quase zero. Isso faz a gente pensar que hoje em dia a gente pode estar numa fase zero, num terreno zero em relação a alguma coisa. Do que a gente vai lembrar daqui a 30 ou 40 anos que tinha hoje ou não tinha hoje? É um exercício legal de fazer. A televisão existe ainda, a televisão é um elemento comum, as pessoas assistem muito. Ela se tornou uma presença absolutamente total. Ter televisão é como ter uma casa.
Muito se fala sobre a ruptura de sua obra a partir de certo momento, especialmente com relação aos personagens, que você teria se cansado deles. Que fase é está que está vivendo?
- Eu cansei dos personagens. Acho que cansar não é a palavra certa. Senti que existia um ciclo que acabou, está cumprido. Fecha um período que me deu muito prazer, tenho muita satisfação pelo trabalho realizado nesses anos todos. Senti que está esgotado, já disse o que tinha que ser dito ali e senti a necessidade de uma busca nova. Parti para essa busca há uns cinco ou seis anos e estou nela, estou na estrada.
Sei que é muito abstrato falar sobre isso, mas você poderia dizer de onde vem essa diferente força criativa que vive neste momento?
- Não é de um lugar só. Identifico claramente uma época, que era o final da adolescência, quando tinha 19 ou 20 anos, como uma fase rica de significados, de busca, de procedimentos e pesquisa gráficos. Liberdade de ação, eram os anos 60, uma explosão geral. Eu também estava explodindo naquele negócio. De uma maneira esquemática, quando comecei a me profissionalizar, bloqueei várias dessas tendências e outras coisas e formatei um modus operandi profissional. ”Vou fazer humor, vou fazer piadas, meu desenho é mais ou menos assim…” Todo mundo faz isso de uma certa maneira na área de entretenimento e de comunicação, em busca de ser reconhecido, de ter sua assinatura associada a determinado tipo de trabalho. ”Ah, esse desenho eu conheço, é do fulano.” Sabe? Esse tipo de coisa. É uma preciosidade para o profissional. Agora, isso tudo entrou no pacote do ciclo cumprido pra mim. Não preciso mais desse tipo de afirmação de personalidade gráfica e senti vontade de voltar aos procedimentos e buscas quando tinha 20 anos. Não exatamente voltar no tempo, não estou me iludindo quanto a isso. Tenho a pretensão de buscar um pouco aquela energia criativa, aquela inquietação, aquela abertura de possibilidades.
O que não cabe mais dentro de você que precisa liberar criativamente? Digo, o que tem a dizer?
- Um artista nunca tem uma coisa pra dizer, acho eu. E estou me incluindo entre artistas só por uma questão expositiva. Nunca tenho uma coisa fechada pra dizer. Em princípio, o modo como vejo a atividade de desenho, ilustração, criação de histórias e autoria é busca, basicamente busca. Nesse sentido, estou sempre buscando, não tenho uma ideia muito clara de que tipo de conclusão posso chegar.
Não poderia deixar de tocar neste assunto. O crossdressing faz parte dessas mudanças, desta fase criativa que vive? Li que faz parte também de uma investigação sobre o universo feminino. Que conclusão chegou até agora?
- Também ainda não concluí nada (risos). A conclusão que chego é que é uma delícia. É um exercício de liberdade maravilhoso. Abrir a cabeça para esse tipo de possibilidade, compreender a vestimenta como algo que você pode manipular e conduzir de acordo com suas necessidades e fantasias e não apenas se submeter aos códigos de gêneros, essa descoberta é uma delícia incrível.
Você já tinha pensado nisso no passado?
- Já, mas de maneira confusa e obscura. Neste momento apenas cheguei à conclusão de que é possível mexer com roupas, sair com saias, sapatos e brincos e coisas assim.
Quando lembro desse assunto sempre me vem à cabeça Ed Wood e como ele enfrentou o estranhamento de se vestir como mulher. Esse estranhamento também acontece com você?
- Sim, um pouco. Não tenho sentido hostilidade muito grande. Tenho sentido estranhamento e um pouco de constrangimento. E uma certa surpresa, uma insegurança grande por parte das pessoas. Não estou completamente seguro também, vou ficando à medida com o tempo. Quando saio por aí vestido dessa forma, fico sempre de antena ligada. Muitas pessoas que me observam querem fazer uma crítica mas não sentem muito habilitadas a fazer essa crítica, existe de tudo…
Essa liberdade tem trazido benefícios na forma como cria, na sua profissão?
- Tem. Aí já é uma ligação um pouco mais abstrata. É uma coisa ligada com o estado de espírito de quando eu trabalho, que não dá pra definir direito.
O que você acha dessa nova geração que vem produzindo trabalhos legais, como o Bá e o Moon, o Rafa, seu filho, e outros?
- O trabalho do Rafa é bastante diverso e original. O caminho que eles estão tomando é complicado em relação ao caminho que eu tomei quando comecei. Se a gente pode resumir as condições da época, não existiam jornais e revistas. Essas coisas estavam sendo criadas à medida que a gente fazia o nosso debut no mundo profissional. Por exemplo, na questão da remuneração é claro pra mim isso. Quando comecei, com dois ou três trabalhos fixos conseguia pagar aluguel, gasolina do carro, monte de coisas e me sustentava, com uma grande folga… Nah, com uma pequena folga. Enfim, hoje isso é inviável, completamente impossível, as pessoas têm que inventar um troço a cada dia pra ir buscar recursos e tal. Não é nem um pouco simples. O Rafa tem uma atividade em artes plásticas que é uma arma na mão dele, é um recurso que ele se defende nessa área. O que eu tinha de formação em artes plásticas ou de vontade de fazer artes plásticas mandei pro espaço rápido quando comecei a desenhar profissionalmente. Esses meninos chegam numa hora em que já aconteceu todo o boom de quadrinhos e uma explosão de revistas nas bancas e tudo… Muitas editoras já foram à falência e de um modo geral os quadrinhos hoje estão se comportando mais ou menos à europeia: a ideia está muito mais centrada em fazer álbuns e vender nas livrarias e coisas assim, do que fazer gibis e conquistar bancas. É uma outra perspectiva. Acho legal pra caralho, conhecer coisas novas.
Você tem lido muita coisa nova, o que tem acompanhado?
- Pouca, em relação ao que tem por aí. Tenho visto o trabalho do Rafa, do Grampá… Revistas eu tenho lido a Beleléu, a Samba... Tem algumas coisas que eu sou fã permanentemente. O trabalho do Berardi, que hoje faz os trabalhos da Julia, a criminóloga. Esse cara vou ler sempre que pintar. Infelizmente foi cancelado o título por aqui. Os irmãos Hernandez, o que eles fizerem eu estou lendo. Difícil eu ficar citando porque esqueço um monte de gente. O Liniers… Vários autores japoneses que não consigo lembrar o nome, como o cara que fez Gourmet, o cara que fez Na Prisão… Europeus também, o Christophe Bléin, do Isaac, o Pirata, O Gato do Rabino… Vou conhecendo e trabalhando e me surpreendo de ver que são trabalhos já de alguns anos, o cara fez aquilo em 2003 ou 2002 e de eu só estar conhecendo isso agora.
O mercado cresceu assustadoramente nos últimos 20 e 30 anos…
- Sim, esse mercado sim, o das livrarias. Mas é engraçado, o mercado de livros é um mercado pequeno. As multidões que vão às feiras, às bienais de livro, na verdade elas estão atrás da feira e não dos livros. Existem alguns livros que vendem estupidamente, mas o livro mesmo, o mercado normal é reduzido no Brasil. E os quadrinhos foram, progressivamente, se enquandrando nesse mercado e abandonando um mercado que era muito grande, onde os leitores, pelo menos os que me interessam muito, o de pouco dinheiro na mão e que gosta de quadrinhos, está desprovido, não está sendo servido. O que está vindo para as bancas são os mangás, que é possível produzir barato. Revista de quadrinhos brasileira, a nossa turma, está indo toda para a livraria. É uma pena isso. Então, está havendo um boom de mercado nesse segmento de livraria, mas que pra mim, com a memória que tenho de quando a gente vendia até 100 mil exemplares em bancas, é um retrocesso, é um ‘desboom’.
E o que pensa em fazer depois de Muchacha? Já tem alguma coisa preparada?
- Vou fazendo um pé depois de outro. Não consigo mais fazer planos balzaquianos. Digo isso porque ele (Balzac), com 20 e poucos anos, teve a visão do que seria o trabalho da vida inteira dele. Escreveu, planificou, dividiu em segmentos e antes de escrever os 100 e poucos novelas, romances e contos, planificou tudo. Sou absolutamente ao contrário. Nunca sei o que vou fazer. Tenho um trabalho com o Otto Guerra, de animação, que mudou completamente, era pra ser a história dos Piratas (do Tietê) e agora vai ser uma baseada na história geral das tiras que faço…
Tem alguma coisa que gostaria muito de ter feito e não fez, deixou passar?
- Putz, um monte, quase tudo…
Mas algo em especial?
- Não sei, não me arrependo, sei lá… É meio que punheta mental, porque não existe como reconstruir as coisas assim… Me arrependo, por exemplo de ter me enfiado em jornalismo sindical e ter trabalho dez anos na Gazeta Mercantil. Eu me arrependo mas não tinha como, na época, saber e fazer diferente. Eu, hoje, acho que tinha como. Mas isso é idealismo, uma coisa tonta, a gente se investir de uma onipotência e uma onisciência, uma coisa irreal. Ninguém tem isso, só o Balzac.
Você se arrepende em que sentido? No sentido criativo?
- Não me arrependo de fazer o que fiz no jornalismo sindical. Mas acho que esqueci de outras coisas. Esqueci de determinados apuramentos gráficos que gostaria de ter desenvolvido. De apuros técnicos que não busquei. Mas como disse, isso é punheta mental, a vida é o que é e o que a gente fez, essa é a verdade.
Só para encerrar: tem alguma história que você consegue lembrar agora na qual gostaria de ter seu nome assinado embaixo dela?
- Quase todas as que eu gostei (risos). Na verdade o meu trabalho é uma tentativa de assinar as histórias que eu gostaria de ter assinado. Não estou me autochamando de plágio ou plageador, acho que minha motivação principal, e desconfio que é o da maioria dos artistas, é a outra arte, a arte dos outros, outros trabalhos. Pra mim é muito claro isso. Desde criança, quando estava desenhando, estava querendo ir atrás de um sentimento ou de uma emoção que tinha sido despertada com um filme, um livro, um quadrinho, qualquer coisa. Quase tudo o que fiz foi uma tentativa de assinar outra arte. Nesse processo dialético de você ver uma coisa, apropriar-se de partes dela, elaborar e reapresentar é uma definição de trabalho artístico, processo criativo. Não acredito muito em partir do zero, do nada, do éter, do caos, sei lá. Partimos de um mundo de ideias, criamos coletivamente junto com os autores que a gente ama.
Depois da entrevista, Laerte ainda disse que deve lançar mais um álbum com seu personagem Deus e mais uma coletânea pela Cia. das Letras. Enquanto esperávamos pelo táxi que nos levaria para o lançamento de Muchacha na Itiban Comic Shop, disse que vem pouco pra Curitiba e, mesmo com o frio que estava fazendo, não sentia frio nas pernas. ”Sempre pensei que mulher passava frio de saia. Mas essas meias são muito quentinhas!”
Percebi que aquele momento seria semelhante ao que Ameaça Nuclear causou quando criança. Iria me ”perturbar” para o resto da vida. Impulsionar novamente a escrever, a desenhar, a criar. Principalmente depois do que ele me ensinou. Sim, Laerte me explicou como consegue criar desenhos tão soltos depois do nanquim.
E dali em diante aprendi mais do que isso. Aprendi que as memórias desse Laerte podem parecer nebulosas ou surreais, como suas atuais tiras, mas fazem sentido. Porque, conforme crescemos são essas recordações afetivas que, paradoxalmente, nos fazem menos saudosistas ou nostálgicos. São essas coisas que nos ensinam a valorizar os pequenos e inesquecíveis momentos, para seguir em frente. Assim estamos preparados para criar novos e inesquecíveis momentos.
Tentaria fazer aqui uma resenha sobre Muchacha. Mas não é o caso. Não é o momento de julgar Laerte, muito menos seu trabalho. Seria muito sem graça tentar explicar o que são aquelas memórias afetivas. O momento é de se divertir com o cara. De admirar e aplaudir. E assim, encerro aqui também um ciclo de minha memória afetiva com um gênio de nossos quadrinhos.
As fotos desta entrevista foram todas tiradas pelo sensacional Theo Marques.
Em tempo: Muchacha tem 96 páginas no formato 20,5 x 19 cm e custa R$ 29.
http://www.ideafixa.com/hqs-laerte-muchacha-e-memoria-afetiva/
Muchacha (Laerte)
Considerado pelo próprio autor um graphic-folhetim, o autor de Piratas do Tietê afirma que sua “intenção não é mais fazer piada, e sim evocar sensações, idéias. Acho saudável dar um choque no leitor, estimular certa confusão.” Por isso que Muchacha não é linear logo de início, pois são, na verdade, diversas histórias interligadas.
Originalmente publicadas no jornal Folha de São Paulo, as tiras que formam esse livro são um mergulho cultural em direção à glamorosa década de 50 e no início corajoso da televisão no país. Laerte certamente é conhecido por seus personagens de fácil aceitação e pelo seu humor nada ortodoxo, como em Piratas do Tietê, Overman, os Gatos, entre outros. Porém, Muchacha representa uma nova fase em sua carreira, algo como ele mesmo define como mais filosófico e menos nonsense.
Na história, temos o Capitão Tigre e a misteriosa Muchacha, uma cantora de rádio. E também Sulfana, Milhafre, Lauro, Djalma e Carayba. Todos ligados diretamente a uma série de televisão, como se fosse uma novela dentro de uma novela. Laerte brinca com os leitores ao inserir romance, vinganças e reviravoltas dando certo clima de tensão, o que aumenta a sensação de que a obra é na verdade um grande folhetim digno de horário nobre.
A cada uma ou duas páginas, a história fecha e ao mesmo tempo se abre o que pode torná-la um pouco difícil de compreender, levando em consideração que Laerte o fez propositalmente, deixa a graphic-folhetim/novel ainda mais interessante e charmosa. Podemos encontrar Laerte inserido na história não só através dos desenhos dos personagens, mas também em algumas características psicológicas deles e é válido citar também, que em Muchacha ainda encontramos espaço para um novo perfil do cartunista, conhecido pela riqueza de detalhes em seus desenhos, passou a focar apenas no que era mais essencial (de acordo com entrevistas, devido a crises e problemas pessoais).
Muchacha surpreende por não ser óbvio, o leitor acaba viajando nos traços delicados e simples de Laerte e se depara com suspense, memórias dos tempos de criança e política. A cada nova página, uma surpresa. E ao final do livro, temos a participação de seu filho, Rafael Coutinho, co-autor de Cachalote, ilustrando uma aventura do Capitão Tigre, elevando assim esse graphic-folhetim/novel a uma edição de colecionador.
"Uma hora o mundo vai me descobrir" - Cartunista Laerte
O cartunista Laerte, com 40 anos de carreira e 59 de idade, lança 'Muchacha', coletânea de quadrinhos sobre os bastidores de uma série televisiva. No livro, um dos personagens, Djalma, se veste de mulher - comportamento que o próprio ilustrador vem adotando desde 2009 como reflexo de uma crise pessoal e profissional.
por Armando Antenore
Foto Gabriel Rinaldi
Laerte de batom, unhas pintadas, brincos e cabelos chanel, elementos que agregou recentemente às roupas masculinas. Desejo de explorar o universo feminino
Passava das 14h30 de uma quarta-feira e Laerte Coutinho ainda não chegara à entrevista. Eu o aguardava numa padaria da Vila Madalena, bairro notívago de São Paulo. O cartunista de 59 anos, que está completando quatro décadas de uma carreira elogiadíssima, deveria aparecer 30 minutos antes. Como não dava as caras, resolvi lhe telefonar. "Putz, rapaz! Me esqueci de você!", constatou, aflito. Saiu correndo do Butantã, onde mora num sobrado com dois gatos, e adentrou a padaria às 15h20. Exibia vistosos brincos de pérolas e um corte de cabelo chanel.Apenas no fim da conversa, que durou quase três horas, esclareceu o motivo do visual peculiar: desde 2009, como resultado de uma profunda crise, mantém o hábito de se vestir de mulher, total ou parcialmente. A prática também pontua o livro Muchacha, que o desenhista paulistano acaba de lançar. A coletânea reúne quadrinhos publicados no jornal Folha de S.Paulo e retrata os bastidores de uma série televisiva dos anos 50. Um dos personagens, o ator gay Djalma, protagoniza espetáculos musicais sob a pele de uma transexual cubana.
BRAVO!: Você costuma esquecer compromissos? Laerte Coutinho: Não, não costumo. É verdade que, às vezes, me desligo um pouco da Terra e vou para o mundo da Lua. Mas, em geral, me julgo um camarada bem responsável.
Então por que você se esqueceu do nosso encontro? Tem ideia?
Sinceramente? Freud explica. Freud sempre explica. Na realidade, não queria dar entrevista. Estou me obrigando… Atravesso um período nebuloso, sabe? Uma crise gigantesca, tanto pessoal como profissionalmente. Não ando satisfeito com minhas criações e não imagino um modo de torná-las satisfatórias no curto ou no médio prazo. Talvez nem mesmo no longo. Uma sinuca de bico… Falar sobre minhas ilustrações, meus cartuns e minhas tiras neste momento me incomoda muito. É reivindicar importância para algo que já não avalio como tão relevante. Hoje não acredito que possa despertar o interesse de alguém. Sinto vergonha de quase tudo o que produzi em 40 anos de carreira. Gostaria de consertar a maioria das coisas.
Vergonha? A palavra me soa forte demais, entre outras razões, porque você ganhou inúmeros prêmios e porque diversos cartunistas, incluindo os jovens, frequentemente o classificam de genial.
O problema é que não me convenço. (risos) Genial? Considerava-me gênio quando adolescente. "Uma hora o mundo vai me descobrir", pensava, enquanto rabiscava carros, barcos, guerreiros. Tremenda bobagem… Claro que enxergo qualidades no que fiz e no que faço. Longe de mim bancar o coitadinho ou apelar para a falsa modéstia. Só que tais qualidades não chegam nem perto das que me atribuem. Eu não me contrataria. (risos) Na década de 1980, por exemplo, participei do Festival Internacional de Quadrinhos em Angoulême (sudoeste da França). Fui representar o Brasil com o Ziraldo e mais alguns colegas. Assim que desembarquei na cidade, bateu um desconforto horrível. Tive ímpetos de cavar um buraco e sumir. Os franceses, que publicam HQs sofisticadérrimas, maravilhosas, simplesmente nos desprezaram - ainda que de maneira diplomática. Eles examinavam as nossas produções, arrebitavam o nariz e comentavam: "Curioso, curioso…" Aquilo me pareceu uma baita injustiça contra o Ziraldo e o resto da turma, mas não em relação às charges que levei para lá. Confesso que adoraria adorar a minha profissão. Adoraria ser como o Angeli, que desenha com um amor imenso. Ou como o Robert Crumb, que desenha compulsivamente. Ou como o Paulo Caruso, que desenha com uma facilidade assombrosa.
Você não vê mais graça em desenhar?
Praticamente não vejo. Desenhar se tornou penoso, difícil. Mal começo um trabalho, percebo que estou me dedicando àquela tarefa apenas porque necessito cumprir prazos ou pelo simples fato de que já a incorporei no meu cotidiano. Fugir da burocracia virou o xis da questão. Descobrir rumos novos, prazeres diferentes… Há tardes em que travo e fico horas sem arriscar um mísero esboço, inteiramente refém da autocrítica. Não me agradam os motes que escolho para as tirinhas, o desenvolvimento das tramas, a redação dos textos, o jeito como lido com as cores, a plasticidade do meu traço. Por outro lado, também não me agrada a perspectiva de largar tudo e me refugiar numa ilha deserta, folgadão. Não pretendo me aposentar. O que desejo é me reinventar.
Quando a crise eclodiu?
As primeiras insatisfações surgiram em 2001 ou 2002, no vácuo de uma tempestade maior que causara o fim do meu terceiro e último casamento. Pouco depois, em 2004, o incômodo cresceu e resolvi abdicar de vários elementos que marcavam minha trajetória. Abandonei personagens famosos, como o Overman, os Gatos e os Piratas do Tietê, certo tipo de humor, menos sutil, e a preocupação com a linearidade das histórias. Iniciei, ali, uma fase mais "filosófica", que muitos intitulam de nonsense e que ainda me caracteriza. Uma parcela dos jornais que divulgavam os meus quadrinhos estranhou a reviravolta e acabou me dispensando - caso do gaúcho Zero Hora e do capixaba A Tribuna. Reclamavam de um hermetismo excessivo, de uma obscuridade que atrapalharia a fruição do público. Evidente que não concordo. Rejeito, inclusive, o adjetivo nonsense para definir o meu trabalho. Nonsense pressupõe o caos, a ausência total de significado. Ocorre que minhas tiras buscam, sim, um sentido - mesmo que seja o de aplicar um golpe na lógica, o de implodir o senso comum. Discussões semânticas à parte, noto que a trilha inaugurada em 2004 vai se fechando. Preciso, no fundo, me reconectar com o adolescente atrevido que, 45 anos atrás, ingressou num curso livre de desenho e pintura doido para se expressar. Preciso reencontrar a chave daquela inquietação, daquele frescor, daquela ousadia.
Envelhecer o deprime?
Não, mas me assusta. Nunca almejei a longevidade e sempre achei que morreria cedo. Por isso, não me angustio quando lembro que completarei 60 anos em 2011. Penso que dei sorte, que estou no lucro. (risos) O que me espanta é a rapidez do tempo - a ligeireza com que os dias voam depois que passamos dos 40. Uma rapidez estonteante, que se associa à falta de produtividade. Para um garoto, 12 meses fazem uma diferença brutal. Quantas coisas se modificam num intervalo tão pequeno! Já para um cinquentão, 12 meses normalmente não representam nada. Tudo permanece idêntico.
Recém-lançada, a coletânea Muchacha leva o nome da cantora e dançarina que o ator gay Djalma interpreta na trama. Ele se traveste. Você, à semelhança de Djalma, está usando brincos e um corte de cabelo bem femininos. Também aprecia o guarda-roupa das mulheres?
Também. É uma descoberta nova, uma predileção que se insinua há séculos, mas que se manifestou com todas as letras apenas em 2009. Cinco anos antes, um dos meus personagens, o Hugo (veja acima), decidiu "se montar". Não sei exatamente por quê. Só sei que, de uma hora para outra, arranjou vestido, batom, salto alto e se jogou no mundo. Desde que nasceu, o Hugo se porta como um alter ego do Laerte. Ele costuma assumir nos quadrinhos grilos e desejos que se confundem com os meus. O fato de imitar o visual das mulheres certamente denunciava algo sobre mim - sobre ambições que eu me negava a explorar às claras. Foi quando recebi o e-mail de uma arquiteta, fã do Hugo. Quer dizer: de um arquiteto que abraçou a identidade feminina. O sujeito me perguntava se ouvira falar dos crossdressers, pessoas que gostam de botar roupas ou adereços do sexo oposto. Na época, não dei muita bola. Mas em 2009, por causa do aguçamento de minhas neuras existenciais, procurei um clube de crossdressers, frequentei reuniões organizadas pelo grupo e li a respeito do assunto. Depois, lentamente, agreguei enfeites femininos à indumentária masculina - brincos, colares, unhas pintadas. Hoje, dependendo da ocasião, me visto como mulher dos pés à cabeça, mesmo em lugares públicos, onde acabo passando despercebido. Outras vezes, ponho somente uma bijuteria, um esmalte. De início, meus filhos, minha namorada e meus amigos chiaram. Agora, já se acostumaram. Ou quase. (risos)
O que você sente quando se traveste?
Um prazer indescritível, que nunca cogitei sentir. Recorrendo à prática, não planejo mudar de gênero definitivamente nem colocar em xeque a minha bissexualidade. O crossdressing, no meu caso, se refere menos à atividade sexual e mais à transposição de limites. É uma necessidade imperiosa de perscrutar e vivenciar os códigos femininos. Há ocidentais que se deleitam em investigar o Oriente. Experimentam comidas exóticas, fazem ioga, visitam a China. Da mesma maneira, por que um homem não pode empreender uma viagem radical pelo planeta insondável das mulheres?
Em 2005, você perdeu um de seus três filhos num acidente de carro. A crise atual tem alguma relação com a morte dele?
Creio que sim. O desaparecimento repentino do Diogo, aos 22 anos, me abalou terrivelmente. Fiquei um mês mergulhado na absoluta incapacidade de desenhar. Quando retomei o trabalho, as dúvidas que me conduziram à guinada conceitual de 2004 recrudesceram. O entendimento de que um ciclo terminara se mostrou claríssimo. Desde então, vivo sem bússola, um tanto desnorteado. Ou melhor: existe um norte, só que é um norte débil, inseguro, mutante. Uma vertigem contínua. A perda do Diogo retirou o véu de tudo. Relativizou ainda mais quaisquer certezas, desnudou as minhas fragilidades e, paradoxalmente, revelou as minhas forças - ha medida em que toda fragilidade demanda uma força como resposta. Mas, na contramão do que parece, não extraí mensagens edificantes do episódio. A morte não nos traz lição nenhuma. É o desconhecimento pleno, um vazio que não se contenta com as justificativas da política, da sociologia, do direito, da psicanálise, da antropologia. Pegue o fim trágico do Glauco... (Glauco Villas Boas, cartunista e amigo de Laerte, assassinado em março junto do filho, Raoni, por um adepto da Igreja Céu de Maria). O que explica uma barbárie daquela? "Ah, como lideravam um culto religioso que ministra o santo-daime, Glauco e Raoni atraíram um punhado de malucos..." Será mesmo? Para mim, não importa! Nada esclarecerá o mistério de por que alguns partem do modo cruel como os dois partiram. Havia realmente necessidade daquilo? Daquele Armagedon doméstico? Do horror imensurável? Um pai presenciar a execução do próprio filho e depois morrer?
http://bravonline.abril.com.br/materia/tenho-vergonha-quase-tudo-desenhei-laerte
Assinar:
Postagens (Atom)