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terça-feira, 6 de março de 2012

O declínio das paixões

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Depois de muitos anos, voltei a ouvir Yo Pisaré las Calles Nuevamente, do compositor cubano Pablo Milanés, uma canção de que gosto muito. Uma amiga tinha compartilhado várias músicas dele no Facebook e sugeri essa, que para mim pertence a um tempo em que as utopias ainda não tinham sido substituídas pelo cinismo – de parte a parte. “Yo Pisaré...” fala abertamente do golpe militar no Chile, que depôs o governo legítimo de Salvador Allende para implantar aquela que foi provavelmente a ditadura mais sangrenta da história da América do Sul. Durante muito tempo, Allende representou o elo perdido de um socialismo de face mais humana ao sul do Equador. Intelectual, íntegro e bem-intencionado, foi talvez o último sonho genuíno que os socialistas tiveram de se mostrar como uma alternativa viável pelas bandas de cá, apesar dos sérios problemas de gestão no seu governo.

Hoje, se não estou redondamente enganado (e posso estar, obviamente), não há mais espaço para utopias como a de Allende, muito menos para outras forjadas no decorrer do século 20. O socialismo ruiu com a queda do Muro de Berlim, em 1989, mas o fato é que já estava podre por dentro, como uma árvore consumida por cupins. A Revolução Cubana, a mais vistosa das utopias socialistas, agoniza em praça pública, e na Coréia do Norte não há sequer socialismo, mas sim totalitarismo hereditário. Um totalitarismo trágico e sanguinário muito semelhante ao que indivíduos como Stálin, Ceausescu, Hoxha, Mao e Pol Pot, entre outros, proporcionaram aos seus respectivos povos. Quanto à direita, ela teve a sua utopia sepultada com a derrocada do nazi-fascismo (que de vez em quando ensaia uma ressurreição) e acabou optando pelo pragmatismo neoliberal de Thatcher e Reagan nas últimas décadas do século passado.

Paixões costumam ser perigosas, mas sinto falta delas nas discussões políticas. Na última eleição presidencial aqui no Brasil, o que tivemos não foi paixão, mas sim uma defesa ferrenha de interesses que beirou o ridículo dos dois lados. Falo de paixões mesmo, da maneira mais ingênua possível, como um namoro entre adolescentes. Do acreditar que é possível um mundo menos desigual. Paixões capazes de criar uma canção como Yo Pisaré las Calles Nuevamente. Capazes de mover não só artistas e intelectuais, mas o povo também – ao menos uma parte dele. Mas não, não há ambiente propício à proliferação de quimeras, mesmo que alguns enxerguem uma delas na Primavera Árabe. Bem, talvez seja melhor assim. É mais fácil mudar de idéia, por considerá-la equivocada ou obsoleta, do que deixar de lado uma velha paixão de juventude. Estamos menos emotivos e mais racionais. Mas, por que ficamos assim? As escolhas foram infundadas? Nossos ícones nos decepcionaram?

De minha parte, gostaria apenas que olhassem com mais carinho e atenção para a experiência política que mais deu certo no mundo: os estados de bem-estar social, ou welfare states, surgidos após o fim da Segunda Guerra e defendidos por historiadores como Eric Hobsbawm e Tony Judt. Seus princípios – que as medidas para conter a crise econômica na Europa estão tentando solapar – são muito claros: Estado forte e provedor, mas não autoritário, capaz de controlar as instabilidades do livre mercado; e investimento maciço em políticas sociais, com ênfase em educação e assistência médica gratuitas, auxílio-desemprego e renda mínima.

Os resultados são inequívocos. Basta ver a vida que se leva em países como Noruega, Dinamarca, Canadá e Finlândia, ou em outros que adotaram em parte as premissas do welfare state: França, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. São nações que em maior ou menor medida unem a liberdade e o empreendedorismo, comuns ao capitalismo, com a implementação de políticas sociais fundamentais, que Marx lá atrás já defendia e pelas quais milhares de pessoas ao redor do mundo caíram de paixão, gritando palavras de ordem e levantando bandeiras por uma utopia que infelizmente nunca deixou de ser utopia.

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