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terça-feira, 6 de março de 2012

O mesmo amor duas vezes

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Outro dia, conversando com um grande amigo numa noite de domingo, em um barzinho de frente para o mar, ele me falou da impossibilidade de reviver um amor perdido e reencontrado. Havia desalento e alguma resignação em seu rosto, e ao ouvi-lo remoer as cinzas do passado e degustar o sabor amargo do presente, eu me lembrei de Scott Fitzgerald. Ou melhor: dos amores impossíveis dos contos de Scott Fitzgerald. Scott é sob qualquer aspecto um de meus escritores favoritos, e nem sei se gosto mais dos seus contos ou de seus romances. Ele canta a dissipação das grandes paixões, o hedonismo da era do jazz substituído pela melancolia da crise de 29, o desencanto de uma geração que teve – e perdeu – tudo.

No início do ano, eu retirei da estante o livro 24 Contos de Scott Fitzgerald, lançado há alguns anos pela Companhia das Letras com tradução de Ruy Castro (aqui tem uma resenha que escrevi à época do lançamento). Senti um prazer dolorido ao reler aquelas histórias de beleza cadente, fadadas inevitavelmente ao malogro, seja pelo poder destrutivo dos vícios (Scott legou o próprio alcoolismo à maioria dos seus personagens masculinos) ou pela incapacidade que temos de assumir um amor avassalador com toda a plenitude que ele exige.

Há, em um dos contos, uma frase que talvez tenha provocado em mim a lembrança do livro enquanto conversava com meu amigo: “Há todas as espécies de amor neste mundo, exceto o mesmo amor duas vezes”. Para Scott, é inútil reviver aquilo que fomos um dia, até porque as pessoas mudam, as cidades mudam, os sentimentos mudam. Meu amigo deve ter plena consciência de que, no homem que ele é agora, há muito pouco do que ele foi há 20 anos. São, um e outro, estranhos que não se conectam nem se comunicam, separados por compartimentos estanques de memória e esquecimento.

O fato é que qualquer amor que resgatamos de um tempo até então enterrado e posteriormente exumado não é o mesmo amor de antes, embora também não seja um amor diferente. É como um morto-vivo, um zumbi de aparência ambígua, que nos sorri com uma face e nos amedronta com a outra. Cabe a nós escolher qual delas será revivida em nosso presente. E, se revivido, como ele pode conviver com aquilo que nós e o outro nos tornamos, incluindo aí casamentos, filhos, emprego, pressão social e certa letargia de ter que largar tudo isso para encarar uma aventura de êxito incerto.

Bem, em tempos de sexo casual e casamentos mais casuais ainda, talvez eu esteja me portando como um romântico tolo, falando de um sentimento em extinção. O mesmo sentimento que em outros tempos fez o jovem Werther de Goethe abandonar a vida, inspirando na vida real muitos outros suicídios na Alemanha do século 18. Mas, naquela noite de domingo, eu percebi uma centelha, uma tempestade por trás da calmaria, como o silêncio que precede o ataque de um cachalote. Ali estava, à minha frente, uma manifestação inequívoca de amor em estado bruto. Desgastado pelo avanço do tempo, esmaecido por décadas de hibernação, mas nem por isso menos amor.

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